bandeira
respirando...
eis-me aqui.
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Direção e roteiro: Andreza Bittencourt
Arena vazia. Depois que o público entra. Música. Os atores vão aparecendo aos poucos. Cada um de um lugar diferente e inusitado. Caminham pelo espaço. Fazem perguntas formando um grande burburinho.
Por que o céu é azul?, O que faz a terra girar?, Por que a chuva cai em gotas e não de uma vez?, Quem inventou as palavras?, Cavalo poderia se chamar “sabiá” e sabiá se chamar “cavalo”?, Por que os bons morrem cedo?, Deus criou o mundo?, Existe inferno? Quem o criou?, Pra onde vão os dias que passam?
Essa caminhada vai aos poucos, junto com o movimento da música diminuindo o espaço e acelerando. O burburinho acompanha. Até que o espaço se reduz ao máximo e os atores continuam passando uns pelos outros. O burburinho aumenta. A música sai. Depois que a música sai o burburinho diminui e desaparece, junto com a saída dos atores.
Off – Tudo isso tem sentido, tem sentido tudo o que aparentemente não tem sentido, e tem sentido tudo o que realmente não tem sentido. Sei que estamos todos aqui pra sempre, desde sempre. Nada muda aqui desde que estou aqui, mas não me atrevo a concluir que não venha a mudar nunca.
Aqui sentado e, como sempre, sem tudo o que se precisa, encarar o sentido. Sentido. Esta notável palavra em português que, beirando o poético, possibilita uma variada gama de significados.
Déborah entra correndo pára no meio da arena.
Déborah- Há certas coisas que eu preferiria dizer. Há outras que eu preferiria calar. Há outras que eu preferiria dizer. Agora não sei se digo as coisas que eu preferiria calar ou se calo as coisas que preferiria dizer.
Off – Com o fim de falar. Começamos a falar como se pudéssemos parar, querendo. É assim mesmo. A busca do meio de fazer cessar as coisas, calar sua voz, é que permite o discurso continuar. Segundo o novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, são 18 as significações que o termo sentido carrega em nosso idioma, afora algumas mais, advindas de expressões compostas com outras palavras.
Déborah - Uma imagem bonita seria: o cão vermelho passeia suas patinhas no gramado molhado. Ou então: o cão verde passeia suas patinhas no gramado vermelho. O gramado vermelho recebe as patinhas molhadas do cão. Verde. Molhado.
Off - Não tenho, portanto que inquietar-me. Apesar disso estou inquieto.
Não houve lugar em minha vida para outra coisa... Eu não parei nunca. As paradas que fiz não contam. Era pra poder continuar. Tenho que continuar, como se houvesse alguma coisa a fazer, alguma coisa já começada, alguma parte aonde ir. Tem sentido tudo o que aparentemente não tem sentido, e tem sentido tudo o que realmente não tem sentido.
Música. Todos entram com suas maçãs. Olham a maçã sedentos em devorá-la.
Sthéphanie - uma miríade de impressões que o corpo ordena.
Todos comem a maçã. Só se escuta o som das mordidas.
Amanda – Música! Música!
Todos - Música! Música!
Ao longo do texto abaixo forma-se um bolo de pessoas. Um querendo passar pelo outro. Confusão. Pausas. Ao final do texto todos dispersam.
Amanda – Onde fica o coração disso tudo? Será que é o coração que bombeia, faz tudo isso circular?...O coração de tudo isso está no fundo do ventre nos músculos do ventre. São esses mesmos músculos do ventre que, comprimindo as tripas ou os pulmões, servem para defecar ou acentuar a palavra. Não adianta bancar o inteligente, tem é que botar os ventres, os dentes, as mandíbulas pra trabalhar.
Sthéphanie aparece de dentro no armário. Acende a luminária. Observa o público. Um pouco assustada.
Sthéphanie - Meu primeiro dia em meu novo apartamento. Acordei e levei um tempo para assimilar onde estava. Achei que tivesse bebido e dormido num lugar do qual não lembrava, mas não, percebi que era na verdade um sonho, um sonho realizado. Agora tenho meu apartamento próprio, meu próprio apartamento. Tenho próprio, apartamento tenho, próprio, próprio, meu, meu, meu.
A minha sala. Uma sala só minha. Minha só sala tinha! O quarto, o banheiro, a cozinha, as portas, a janela, o chão, o teto, as paredes, tudo só meu e de ninguém mais. Nem me desanimei por ter que desencaixotar, desembrulhar e arrumar tudo, até porque, não tinha tanto lugar assim pra colocar as coisas.
Enquanto fazia a arrumação já imaginava em fazer algo para apresentar minha casa a todos. Mas acho que terei que dividir em grupos, caso contrário não haverá nem espaço, nem lugar para todos sentarem. O que me interessa eu tenho: uma casa minha própria tenho sala cozinha teto minha. O que mais preciso para ser feliz?
Corta para a cena da Amanda vendo televisão com o aparelho de abdominal. Raquel aparece pela porta de trás.
Raquel - Detesto entrevistas de emprego. É ridículo tentar descobrir defeitos e qualidades das pessoas em menos de 30 minutos de entrevista. Entrevistar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, então, só demonstra se a pessoa é comunicativa ou tímida, e ainda assim é relativo! Sem contar as perguntas enigmáticas que eles fazem... “O que você faria na situação tal?” “Se acontecesse isso, isso e isso, como você reagiria?” Posso inclusive me ver numa situação e dizer como eu gostaria de agir se tal coisa acontecesse. Como eu gostaria de agir, não significa que eu agiria desta forma...
Só que eles querem saber como eu reagiria... Qual animal eu seria? Essa pergunta é ótima! Lógico que seria uma águia! Porque águia é uma boa resposta! Águia é um animal soberano, que voa, que tem olhos que enxergam longe! Eu amo lagartixa! Se eu falo que gostaria de ser uma o que eles pensariam de mim? Adoro aquela: “Me cita três defeitos seus”. Eles acham que alguém vai se definir como?
Amanda – Eu sou muito maconheiro e minha mãe quer que eu me ocupe pra largar essa vida.
Cremida – Eu tenho um plano pra matar a lucinha do andar de cima. Quer ver?
Dri – Eu tenho um primo que mora nos EUA e daqui eu posso falar com ele de graça. Não é ótimo?
Déborah – Eu to afim do Marquinhos, da recepção, preciso ficar mais próxima dele.
Manu – Eu tenho catalepsia.
Raquel - Na verdade, li uma estatística que diz que o as pessoas vêem em você é quase 50% diferente do que você pensa sobre você mesmo. Desta forma como eu posso me definir, se a minha definição não será a definição definitiva das próprias pessoas do meu convívio. Então na hora dessas perguntas enigmáticas eu parto para defeitos que podem ser considerados qualidades também, tipo... “Sou exigente demais, muito observadora, detalhista, e ansiosa.” Talvez ansiedade faça com que o candidato seja mais competente naquilo que faz. Demonstra pressa. Pressa nos dias de hoje é bom para o empregador. O importante é fazer o trabalho no tempo determinado. Qualidade é bom, mas fazer o trabalho é melhor! Sei lá!
Rubens - Ligo para Receita Federal. A telefonista atende. Eu digo: Preciso falar com o delegado da Receita Federal... . Pergunta a telefonista: Quem gostaria? Respondo: Gostaria? Eu não disse que gostaria. Na verdade eu não gostaria. Eu preferiria não ter que falar sobre imposto de renda. Eu só disse que preciso falar com o delegado mesmo sem gostar.
Apresentei-me à recepcionista da empresa e disse: Sou Rubem Rodrigues. Tenho uma entrevista marcada. Ela me olhou e perguntou: De onde? Levantei o meu braço em curva e, com o indicador, apontei verticalmente para o cocuruto da minha cabeça e lhe disse: Daqui. Eu poderia ter dito: Da rua Frei Antônio de Pádua, 1521. É no bairro Guanabara, Campinas. Conhece?
Taís - Havendo Deus colocado limites precisos à nossa inteligência é profundamente lamentável que ele não tenha estabelecido limites para nossa estupidez.
Manu - Aviso aos navegantes: serei crítica e radicalista. O colégio é ambiente de socialização, dizem. É também onde você aprende as coisas inúteis que vai usar o resto da vida. Sem dúvida, a grande ilusão que temos é de conseguir desenvolver e/ou aprimorar talentos entre as quatro paredes da sala de aula. Militar ou não, escolas criam soldados. Durante os mais de quinze anos de instrução muitos nadam contra a maré, tentando não afogar uma vocação ou um dom. O que me irrita é ter que saber Bhaskara, se nem cursando matemática avançada na faculdade eu vou usá-la. E eu não estou brincando! Perguntem ao matemático que me contou.
Taís – Avestruz!!!!!! Falam muito mal dos avestruzes injustamente. Seus detratores, movidos por motivos inconfessáveis, declaram que aquelas aves são de estupidez sem paralelo. Dizem que elas, ao se defrontar com um leão, enterram suas cabeças na areia. Se assim eles se comportam é porque devem ser adeptos de uma antiga filosofia que afirmava que “ser é perceber”. Raciocinam os avestruzes: se não percebo o perigo, o perigo não existe para mim. (Traduzido popularmente: “Aquilo que os olhos não vêem , o coração não sente”). Continua o pensamento dos avestruzes: “Posso, assim, me comportar como se ele não existisse, desde que continue com a cabeça enterrada na areia”. Tudo estaria bem se o leão não fosse de verdade. E o resultado é que o avestruz acaba na barriga do leão... Estupidez igual eu somente encontrei em exemplares da espécie Homo Sapiens a que pertencemos. Acham que não percebendo a coisa não existe. Havendo Deus colocado limites precisos à nossa inteligência é profundamente lamentável que ele não tenha estabelecido limites para nossa estupidez. Agora lembrei! Veio-me a memória essa frase ao pensar em leitura dinâmica.
Cena dos comerciais. Cena frenética.
Atriz – Ler rapidamente com retenção total! Por que gastar um mês lendo Grande Sertão – Veredas se com as técnicas de leitura dinâmica você poderá lê-lo em uma hora?
Atriz – A vida moderna corre rápida. Não há tempo para vagarezas. Ler dinamicamente é muito importante no preparo para o vestibular.
Atriz – Quem anda devagar fica para trás.
Taís – Sugiro que a filosofia da leitura dinâmica seja também aplicada a outras áreas.
Atriz – Sexo dinâmico. Por que perder tempo gastando uma hora fazendo amor se com a técnica do sexo dinâmico tudo se realiza em dois minutos?
Atriz – Comer dinamicamente! Quanto tempo se perde nas refeições! Com a técnica da comida dinâmica um jantar termina em cinco minutos.
Atriz – Música dinâmica! A Nona Sinfonia pode ser ouvida em dois minutos!
Atriz – Durma também dinamicamente! Você terá muito mais tempo para fazer outras coisas!
Déborah – Milagre dinâmico! Esse existe há muito tempo!!!!!!!!!! Muito antes da leitura dinâmica.
Anote essa data 19 de abril, dia de santo Expedito. Expedito quer dizer “aquele que resolve problemas com presteza”. É o santo milagreiro de minha devoção porque atende o pedido por um milagre no dia em foi feito. Sendo assim, não entendo por que os outros santos milagreiros ainda têm devotos. Prefiro soluções rápidas. Com tal presteza, é certo que os devotos dos santos vagarosos acabarão por aderir ao santo Expedito.
Todos – Santo Expedito, Santo Expedito, Santo Expedito.
Todos – Amém!
PAI (Amanda) - Vamos , vamos começar ... hoje estamos todos reunidos em pró do espírito natalino. Agora daremos início ao nosso tradicional amigo oculto. O meu amigo oculto trai minha filha há dois anos e só ela não enxerga isso !
FILHA (Déborah) - (levanta e grita) Armando !!
PAI - Acertou meu filha.
ARMANDO (Rubens) - (recebe o presente) Obrigado, obrigado... Bem, a minha amiga oculta é uma pessoa que eu gosto muito, muito, em todos os sentidos ela é uma gracinha....
FILHA - ( levanta e grita) Inês !! (esposa de Armando)
ARMANDO - Não, é a Maria (empregada da família).
MARIA (Sthéphanie) - (recebe o presente)Obrigada ,obrigada (pisca para Armando). Bem, o meu amigo oculto está me devendo 300 reais...
MÃE (Dri) - (um pouco sem graça) Sou eu (recebe o presente e demonstra-se insatisfeita). O meu amigo oculto é uma adolescente um pouco rebelde, drogada... e já foi até presa...
FILHA - Aeee valeu mãe !! ( dá um tapa nas costas da mãe). A minha amiga oculta é...(faz um gesto de chifruda).
TODOS: Inês !!
INÊS - (recebe o presente )Aii, que presente horrível ! O meu amigo oculto é uma pessoa um pouco mau humorada mas que admiro muito... (pausa, todos estranham o elogio, mas acabam se emocionando)... admiro sua coragem de correr da polícia quando é pego roubando, sua cara de pau de andar com a cabeça erguida mesmo devendo até a alma. Ele é o meu pai!!
PAI - (recebe o presente)Obrigado filha. Agora é a hora daquele abraço caloroso, afinal somos uma família não é mesmo?
Todos se olham meio sem graça e ao mesmo tempo desconfiados , mas acabam se abraçando... o abraço acaba virando um show de beliscões, mordidas enfim um show de agressões
Toque de telefone. Os atores saem de cena e entram duas atrizes.
Margarida: (estaca) ACONTECEU! Juro!
Telefone toca 4 vezes.Sente uma dor aguda no coração a cada toque.
Margarida: Alô...
Constança: Por obséquio, por favor, pode chamar ao aparelho para mim a Flávia? Meu nome é Constança.
Margarida: Madame Constança, sinto lhe informar que nesta casa não vive ninguém com o nome de Flávia, sei que Flávia é um nome muito romântico, mas é que não tem aqui nenhuma, que é que eu posso fazer?
Constança: Mas essa não é a rua General Isidro?
Margarida: É, sim, mas que número de telefone pediu? Asseguro-lhe que moro aqui há exatamente trinta nos, quando nasci, e nunca houve nesta casa nenhuma jovem chamada Flávia!
Constança: Jovem, coisa alguma, Flávia é um ano mais velha que eu e se esconde à idade isso é problema dela!
Margarida: Talvez não esconda a idade, quem sabe, Madame Constança.
Constança: Que esconde, lá isso esconde, mas pelo menos faça-me o favor de lhe dizer que atenda logo o aparelho e já!
Margarida: Eu... eu... eu estava tentando lhe dizer que nossa família foi a primeira e única moradora desta casinha e lhe afianço, juro por Deus, que nunca morou aqui nenhuma senhora Flávia, e não estou dizendo que a senhora Flávia não existe, mas aqui, minha senhora, aqui -não e-x-i-s-t-e...
Constança: Deixe de ser grosseira, sua sirigaita! Aliás como é o seu nome?
Margarida: Margarida Flores do Jardim.
Constança: Por quê? Há flores no jardim?
Margarida: Ah, ah, ah, a senhora tem bom humor! Não, não há, flores no jardim mas é que meu nome é florido.
Constança: E isso adianta alguma coisa?
Silêncio.
Constança: Adianta ou não adianta, enfim?
Margarida: É que não sei responder porque nunca tinha antes pensado nisso. Só sei responder coisas que já pensei.
Constança: Então faça uma forcinha e mentalize o nome de Flávia e verá que saberá responder.
Margarida: Estou mentalizando, estou mentalizando... Ah, encontrei! O nome de minha empregada de criação é Augusta!
Constança: Mas, criatura de Deus, estou perdendo a paciência, não é de empregada de criação que quero, é Flá-vi-a!
Margarida: Não quero parecer grosseira, mas minha mãe sempre disse que as pessoas insistentes são mal-educadas, desculpe!
Constança: Mal-educada? Eu? Criada em Paris e Londres? Você ao menos sabe francês ou inglês, só para praticarmos um pouco?
Margarida: Só falo a língua do Brasil, minha senhora, e creio que é tempo da senhora desligar porque há essa hora meu chá deve estar gelado.
Constança: Chá às três horas da tarde?
Margarida: O chá é porque eu não tinha o que fazer... Madame Constança. E agora eu lhe imploro em nome de Deus que não me torture mais, imploro de joelhos que desligue o telefone para eu acabar de tomar meu chá brasileiro.
Constança: É, mas não precisa choramingar por isso, Dona Flores, minha única e pura intenção era falar com Flávia para convidá-la para um joguinho de bridge. Ah! Tive uma idéia! Já que Flávia saiu, por que é que você não vem à minha casa para umas carteadas a dinheiro baixo? Hein? Que acha? Não se sente tentada?
Margarida: Meu Deus, não sei jogar jogo nenhum.
Constança: Mas como não?!
Margarida: É isso mesmo. É como não.
Constança: E a que se deve essa falha na sua educação?
Margarida: Meu pai era estrito: na sua casa não entravam vícios de baralho.
Constança: Seu pai, sua mãe e Augusta eram muito antiquados, se me permite dizer e acho que...
Margarida: Não! Não lhe permito dizer! E quem vai desligar o telefone sou eu mesma, com licença de sua madame (deixou o telefone fora do gancho).
Sinal de ocupado. Música. Abraços, brigas, brincadeiras, gargalhadas, choros. Exaustos caem no chão)
Amanda - A cada dia que passa mais e mais o nó cresce a vontade de explodir em gestos e palavras e encantos e em poesia cresce e cresce sem fim... são milhões de imagens, sons, cores, cheiros, gostos, sensações, sublimações, olhares,
Manu- Debaixo das horas eu constantemente estou...isso porque não quero estar acima (das horas)
Amanda – Sei.
Manu-Quem assim se encontra, obviamente é pálido e possui asas compridas.
Amanda – O que você quer dizer com isso?
Manu- Quem parou de nadar afobado e desesperadamente por debaixo do tempo. Aquele que bóia descorado, com os ossos levemente arqueados e desconstruídos.
Amanda - Olha, eu necessito muito ser e estar ao mesmo tempo, para que, o mesmo tempo, não desabe sobre mim e me torne um balão murcho; eu preciso...simplesmente porque preciso.
Manu - E os segundos?
Amanda - me doem os segundos, um após o outro, um após o outro, sem fim nem explicações...
Manu - Temos um motivo sério e cabível para continuar...simplesmente continuar.
Amanda - Dentro do algo que me toca existe um vazio que a cada instante me corporifica dentro de mim, esse vazio é fundo e presente, é dentro e fora do que sou,
Manu - Tudo para e continua, é recortado e colado continuamente; e tudo para e continua, para e continua, mas eu sigo ileso e intocado por tudo.
Amanda - Tenho tanta coisa que preciso sempre ter cada vez mais.
Manu - Preciso do algo que me toca, das flores que me cheiram, do mundo que me gira, dos lábios que me falam, das cinzas que me queimam, dos ombros que me encolhem,
Amanda - das facas que me cortam, dos mortos que me escutam, dos cílios que me piscam, das placas que me acenam, das ruas que me correm, dos sonhos que me acordam, dos livros que me entendem, dos cegos que me enxergam,
Manu - das luas que me apagam, da pele que me sente, dos cheiros que me acolhem, dos olhos que me olham, dos braços que me abraçam, das bocas que me beijam, da vela que me acende...
Amanda - continuar...simplesmente continuar.
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Tradução Laerte Mello
(Um silêncio muito longo.)
- Mas você tem amigos.
(Um silêncio longo.)
Você tem muitos amigos.
O que é que você dá aos seus amigos que faz com que eles te apóiem tanto?
(Um silêncio longo.)
O que é que você dá aos seus amigos que faz com que eles te apóiem tanto?
(Um silêncio longo.)
O que é que você dá?
(Silêncio.)
- - - - -
uma consciência consolidada reside em um salão de jantar escurecido perto do teto de uma mente onde o chão se desloca como dez mil baratas quando um feixe de luz penetra como todos os pensamentos unidos em um instante de harmonia do corpo não tão repelente como as baratas compreendem uma verdade que ninguém nunca fala
Tive uma noite em que tudo foi revelado.
Como posso falar de novo?
a hermafrodita destruída que confiou só nela encontra a sala em prolífica realidade e implora nunca acordar do pesadelo
e estavam todos lá
cada um deles
e sabiam meu nome
como escapei feito um besouro ao longo das costas de suas cadeiras
Lembre da luz e acredite na luz
Um instante de claridade antes da noite eterna
Não me deixe esquecer
- - - - -
estou triste
sinto que o futuro é desesperançoso e que as coisas não podem melhorar
estou chateada e insatisfeita com tudo
sou um completo fracasso como pessoa
sou culpada, estou sendo punida
gostaria de me matar
costumo conseguir chorar mas agora estou além das lágrimas
perdi o interesse em outras pessoas
não consigo tomar decisões
não consigo comer
não consigo dormir
não consigo pensar
não consigo ir além da minha solidão, do meu medo, do meu desgosto
estou gorda
não consigo escrever
não consigo amar
meu irmão está morrendo, meu amor está morrendo, estou matando os dois
me desloco rapidamente em direção à minha morte
estou aterrorizada com a medicação
não consigo fazer amor
não consigo foder
não consigo ficar sozinha
não consigo ficar com outras pessoas
meus quadris estão muito grandes
não gosto dos meus órgãos genitais
Às 4h48
quando o desespero me visita
me enforco
com o som da respiração de meu amante
não quero mesmo morrer
me tornei tão depressiva por causa da minha mortalidade que decidi cometer suicídio
não quero mesmo viver
tenho ciúmes de meu amor adormecido e cobiço sua inconsciência induzida
Quando ele acordar vai ter inveja da minha noite sem dormir de pensamentos e discursos sem atrativos por causa dos medicamentos
Este ano renunciei a mim mesma pela minha morte
Alguns vão chamar isso de auto-satisfação
(eles têm sorte de não saber a verdade)
Alguns vão conhecer simplesmente a dor
Isso está se tornando minha rotina
- - - - -
100
91
84
81
72
69
58
44
38
42
28
12
7
- - - - -
Não foi por muito tempo, eu não estava lá por tanto tempo. Mas bebendo café amargo senti aquele cheiro medicinal em uma nuvem antiga de tabaco e algo me tocou naquele lugar ainda soluçante e um ferimento de dois anos atrás se abriu como um cadáver e uma vergonha longa e enterrada brandiu sua dor decadente e abominável.
Um quarto de faces inexpressivas que encaram com indiferença a minha dor, tão desprovidas de significado que deve haver uma intenção diabólica.
Dr. Isso e Dr. Aquilo e Dr Oqueéisso estavam apenas de passagem e acharam que poderiam entrar no quarto para gozarem da minha cara também. Queimando em um túnel quente de desalento, minha humilhação se completa por eu tremer sem razão e por tropeçar nas palavras e por não ter nada a dizer sobre minha “doença” que de qualquer maneira só vale para saber que não há significado em coisa nenhuma porque vou morrer. E estou em um beco sem saída levada por aquela voz suave e psiquiátrica da razão que me diz que há uma realidade objetiva na qual meu corpo e minha mente são uma coisa só. Mas não estou aqui nem nunca estive. Dr. Isso escreve e Dr. Aquilo tenta um murmúrio simpático. Me assistindo, me julgando, cheirando o fracasso e a paralisia que escorrem da minha pele, meu desespero me rasgando e o pânico me consumindo me encharcando enquanto eu no mundo boquiaberta de horror pensando por que todos estão sorrindo e me olhando com um conhecimento secreto da minha vergonha dolorida.
Vergonha vergonha vergonha.
Se afogando na sua vergonha de merda.
Médicos misteriosos, médicos sensatos, médicos excêntricos, médicos que você pensaria que estavam fodendo pacientes se não lhe mostrassem provas do contrário, fazem as mesmas perguntas, põem palavras na minha boca, oferecem curas químicas para angústias congênitas e cobrem os rabos um dos outros até eu querer gritar por você, o único médico que me tocou voluntariamente, que olhou nos meus olhos, que riu com humor mórbido com uma voz vinda de dentro do meu túmulo recém-aberto, que tirou um sarro da minha cara quando raspei minha cabeça, que mentiu e disse que era legal me ver. Que mentiu. E disse que era legal me ver. Confiei em você, amei você, e não é perder você que me machuca, mas sim sua falsidade fodida e descarada disfarçada em notas médicas.
Sua verdade, suas mentiras, não as minhas.
E enquanto eu acreditava que você era diferente e que você talvez até sentisse a aflição que às vezes oscilava pela sua face e ameaçava irromper, você estava cobrindo seu rabo também. Como qualquer outro mortal cuzão estúpido.
Na minha cabeça isso é traição. E minha cabeça é o tema desses fragmentos desorientados.
Nada pode extinguir meu ódio.
E nada pode restaurar minha fé.
Esse não é um mundo que eu deseje viver.
- - - - -
- Você fez algum plano?
- Tomar uma overdose, cortar meus pulsos depois me enforcar.
- Tudo isso de uma vez?
- E sem que fosse interpretado como um grito por socorro.
(Silêncio.)
- Não daria certo.
- Claro que daria certo.
- Não daria certo. Você se sentiria sonolenta por causa da overdose e não teria forças para cortar os pulsos.
(Silêncio.)
- Eu estaria em pé numa cadeira com uma corda enrolada no pescoço.
(Silêncio.)
- Se você estivesse sozinha você acha que você faria mal a você mesma?
- Estou muito assustada.
- Isso não seria uma defesa?
- Sim. É o medo que me mantém longe dos trilhos dos trens. Só espero de Deus que a morte seja mesmo a porra do fim. Me sinto como se tivesse oitenta anos de idade. Estou cansada da vida e minha mente quer morrer.
- Isso é uma metáfora, não é realidade.
- É como se fosse.
- Isso não é realidade.
- Não é uma metáfora, é como se fosse, mas ainda que fosse uma metáfora, a definição característica de uma metáfora é que ela é real.
(Um longo silêncio.)
- Você não tem oitenta anos de idade.
(Silêncio.)
Tem?
(Silêncio.)
Tem?
(Silêncio.)
Ou tem?
(Um longo silêncio.)
- Você despreza todas as pessoas infelizes ou só especificamente a mim?
- Eu não desprezo você. Você não tem culpa. Você está doente.
- Eu não acho.
- Não?
- Não. Estou deprimida. Depressão é ódio. É o que você fez, você que estava lá e você que está se culpando.
- E quem você está culpando?
- A mim mesma.
- - - - -
Corpo e alma nunca podem se casar.
Preciso me tornar quem já sou e bradarei para sempre esta incongruência que me mandou para o inferno
A esperança insolúvel não me mantém de pé.
Eu me afogarei na dysphoria
em uma lagoa negra fria de mim mesma
o fosso da minha mente irrelevante
Como posso voltar à forma
Agora que meus pensamentos formais se foram?
Não é uma vida que eu possa aceitar.
Eles me amarão por aquilo que me destrói
a espada nos meus sonhos
a poeira dos meus pensamentos
a doença que se reproduz nos cantos da minha mente
Todo elogio tira um pedaço da minha alma
Uma crítica expressionista
Nas cadeiras centrais entre dois bobos
Ele não sabem nada –
sempre andei livre
Continua numa longa linha de cleptomaníacos literais
(um tempo honrada tradição)
Roubo é um ato sagrado
Sobre uma trilha destorcida para expressar
Uma superabundância de pontos de exclamação escreve um eminente colapso nervoso
Uma única palavra na página e existe um drama
Eu escrevo pelos mortos
que estão por vir
Depois das 4h48 eu não devo falar mais
Alcancei o fim desse conto triste e repugnante
De um senso internado em uma carcaça alienígena
Inchada pelo espírito maligno da maioria que prega a moral
estive morta por um longo tempo
De volta às minhas raízes
canto sem esperança no meu limite
- - - - -
RSVP ASAP
- - - - -
Às vezes me viro e sinto seu cheiro e não posso seguir é uma porra e não posso seguir sem expressar essa dor física terrível tão fodidamente horrorosa e grandiosamente fodida que sinto por você. E não posso acreditar que posso sentir isso por você e você não sente nada. Você não sente nada?
(Silêncio.)
Você não sente nada?
(Silêncio.)
E saio às seis da manhã e começo minha procura por você. Se sonhei com uma rua ou um bar ou uma estação vou lá. E espero por você.
(Silêncio.)
Sabe, me sinto como se estivesse sendo manipulada.
(Silêncio.)
Nunca tive problemas na vida dando a outras pessoas o que elas querem. Mas ninguém ainda foi capaz de fazer isso por mim. Ninguém me toca, ninguém se aproxima de mim. Mas agora você me tocou em algum lugar tão fodidamente profundo que não consigo acreditar e não consigo fazer isso por você. Porque não consigo te achar.
(Silêncio.)
Como ela é?
E como vou saber que é ela quando eu conhecê-la?
Ela vai morrer, ela vai morrer, porra ela só vai morrer.
(Silêncio.)
Você acha que é possível uma pessoa nascer em um corpo errado?
(Silêncio.)
Você acha que é possível uma pessoa nascer em uma época errada?
(Silêncio.)
Foda-se. Foda-se. Foda-se por me rejeitar nunca estando lá, foda-se por me fazer me sentir uma merda, foda-se por sangrar a porra do amor e da vida, foda-se meu pai por ter fodido minha vida e foda-se minha mãe por não o ter deixado, mas acima de tudo, foda-se Deus por ter me feito amar alguém que não existe,
FODA-SE FODA-SE FODA-SE
- - - - -
- Ah querida, o que aconteceu com seu braço?
- Me cortei.
- Isso foi muito imaturo, procurar chamar a atenção desse jeito.
Te aliviou de alguma forma?
- Não.
- Aliviou sua tensão?
- Não.
- Te aliviou de alguma forma?
(Silêncio.)
- Te aliviou de alguma forma?
- Não.
- Não entendo por que você fez isso.
- Então pergunte.
- Aliviou sua tensão?
(Um longo silêncio.)
Posso ver?
- Não.
- Queria olhar, para ver se infeccionou.
- Não.
(Silêncio.)
- Achei que você teria feito isso. Muita gente faz isso. Alivia a tensão.
- Você já fez?
- ...
- Não. É um porra são e sensato. Não sei onde você leu isso, mas não alivia a tensão.
(Silêncio.)
Por que você não me pergunta por quê?
Por que cortei meu braço?
- Você quer me falar?
- Sim.
- Então fale.
- PERGUNTE
ME
POR QUÊ
(Um longo silêncio.)
- Por que você cortou seu braço?
- Porque me faz sentir bem pra caralho. Porque é bom pra caralho.
- Posso ver?
- Pode ver. Mas não toque.
- (Olha) E você acha que não está doente?
- Não.
- Eu acho. A culpa não é sua. Mas você tem que assumir a responsabilidade pelos seus atos. Por favor não faça isso de novo.
- - - - -
temo perdê-la sem nunca tê-la tocado
o amor me mantém escrava em uma gaiola de lágrimas
eu rôo minha língua de forma que nunca mais possa falar
sinto falta de uma mulher que nunca nasceu
beijo uma mulher por anos sem nunca termos nos encontrado
Tudo passa
Tudo perece
Tudo se torna enfadonho
meu pensamento se vai com um sorriso assassino
deixando uma ansiedade discordante
que grita na minha alma
Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança
Uma canção para minha amada, tocando sua ausência
o fluxo do coração dela, o respingar do seu sorriso
Em dez anos ela ainda estará morta. Quando eu estiver vivendo com isso, lidando com isso, quando alguns dias se passarem quando eu nem sequer pensar mais nisso, ela ainda estará morta. Quando eu for uma velha senhora vivendo nas ruas esquecendo meu nome ela ainda estará morta, ela ainda estará morta, esta
porra
está acabada
e tenho que seguir sozinha
Meu amor, meu amor, por que você me abandonou?
Ela é o lugar confortável onde nunca deitarei e não tem sentido viver na luz da minha perda
Feita para ser sozinha
para amar a ausência
Me encontre
me liberte
disso
dúvida corrosiva
desespero fútil
horror em repouso
posso ocupar meu espaço
ocupar meu tempo
mas nada pode ocupar o vazio de meu coração
A necessidade vital pela qual eu morreria
Esgotamento nervoso
- - - - -
- Nada de ses ou mases
- Eu não disse se ou mas, eu disse não.
- Não poder dever nunca ter-quê sempre não será não deveria não deverá
Os inegociáveis
Hoje não.
(Silêncio.)
- Por favor. Não desligue minha mente na tentativa de me curar. Ouça e entenda, e quando sentir desprezo não expresse-o, pelo menos não verbalmente, pelo menos não para mim.
(Silêncio.)
- Não sinto desprezo.
- Não?
- Não. A culpa não é sua.
- A culpa não é sua, é tudo que eu ouço, a culpa não é sua, é uma doença, a culpa não é sua, eu sei que a culpa não é minha. Você me diz isso com tanta freqüência que estou começando a pensar que a culpa é minha.
- A culpa não é sua.
- EU SEI.
- Mas você a reconhece.
(Silêncio.)
- Reconhece?
- Não há uma droga sobre a terra que possa fazer a vida significar algo.
- Você reconhece este estado de absurdo desespero.
(Silêncio.)
Você o reconhece.
(Silêncio.)
- Não serei capaz de pensar. Não serei capaz de trabalhar.
- Nada interferirá mais em seu trabalho do que o suicídio.
(Silêncio.)
- Sonhei que tinha ido à médica e que ela tinha me dado oito minutos de vida. E ela tinha me deixado sentada na porra da sala de espera durante meia hora.
(Um longo silêncio.)
Tudo bem, vamos lá, vamos às drogas, vamos preparar a lobotomia química, vamos estancar as funções mais importantes do meu cérebro e talvez eu me torne mais fodidamente capaz de viver.
Vamos lá.
- - - - -
abstração até o limite do
desagradável
inaceitável
desinspirador
impenetrável
irrelevante
irreverente
incrédulo
impenitente
antipatia
deslocamento
desencarnado
desconstruído
Não imagino
(claramente)
que uma simples alma
podia
poderia
deveria
ou deverá
e se eles fizessem
não acho
(claramente)
que outro alma
uma alma como a minha
podia
poderia
deveria
ou deverá
não levar em conta
Sei que não estou fazendo
tudo muito bem
Nada de falantes de língua nativa
irracional
irredutível
irremediável
irreconhecível
descarrilhado
transtornado
deformado
livre de forma
obscuro ao limite do
Verdadeiro Certo Correto
Qualquer um ou Qualquer pessoa
Cada tudo todos
se afogando em um mar de lógica
esse monstruoso estado de paralisia
ainda doente
- - - - -
Sintomas: sem comer, sem dormir, sem falar, sem desejo sexual, em desespero, quer morrer.
Diagnóstico: Dor patológica
Sertraline, 50 mg. Insônia acentuada, forte ansiedade, anorexia, (perda de 17 kilos) aumento de intenções, planos e pensamentos suicidas. Interrompido seguido de hospitalização.
Zopiclone, 7,5 mg. Sonolência. Interrompido provoca falas sem sentido e movimentos desconectos. Paciente tentou deixar o hospital sem alta médica. Foi detida por três enfermeiros duas vezes maior que ela. Paciente ameaçador e não cooperador. Idéias paranóicas – acredita que os funcionários do hospital querem envenená-la.
Melleril, 50 mg. Cooperadora.
Lofepramine, 70 mg, dobrada para 140 mg, depois 210 mg. Ganhou doze kilos. Perda de memória recente. Nenhuma outra reação.
Discutiu com médico estagiário acusando-o de traição depois de ela ter raspado a cabeça e cortado os braços com lâminas de barbear.
Paciente inscrito em programa comunitário desobrigado de pagamento deu entrada em estado psicótico gravíssimo no pronto-socorro necessitando com urgência de leito hospitalar.
Citalopram, 20 mg. Tremores pela manhã. Nenhuma outra reação.
Lofepramine e Citalopram interrompidos depois de o paciente ter urinado devido aos efeitos colaterais e ausência óbvia de melhora. Sintomas após a interrupção: Tonturas e confusão. Paciente cai em demasia, desmaia e anda na frente de carros. Idéias desarranjadas – acredita que o especialista é o anti-Cristo.
Fluoxetine hydrochloride, nome fantasia Prozac, 20mg, dobrada para 40mg. Insônia, apetite irregular, (perda de 14 kilos) forte ansiedade, incapaz de atingir orgasmo, idéias homicidas em relação a vários médicos e fabricantes de drogas. Interrompidos.
Humor: Fodidamente raivoso.
Comportamento: Muito raivoso.
Thorazine, 100mg. Sonolência. Mais calma.
Venlafaxine, 75 mg, dobrado para 150 mg, depois para 225mg. Tontura, queda de pressão sanguínea, dores de cabeça. Nenhuma outra reação. Interrompido.
Paciente recusa Seroxat. Hipocondria – espasmos de piscar de olhos e forte perda de memória como evidência de dyskinesia tardia e demência tardia.
Recusa de mais tratamento.
Aspirina 100 e uma garrafa de Cabernet Sauvignon búlgaro, 1986. Paciente acordou numa piscina de vômito e disse “Durma com o cachorro e acorde cheio de moscas.” Fortes dores estomacais. Nenhuma outra reação.
- - - - -
Escotilha se abre
Luz opaca
a televisão fala
cheia de olhos
os espíritos da visão
e agora estou com medo
estou vendo coisas
estou ouvindo coisas
não sei quem sou
língua para fora
pensamento truncado
os colapsos inconstantes da minha mente
Onde começo?
Onde paro?
Como começo?
(Como se eu quisesse ir em frente)
Como eu paro?
Como eu paro?
Como eu paro?
Como eu paro?
Como eu paro? Uma etiqueta de dor
Como eu paro? Apunhalando meus pulmões
Como eu paro? Uma etiqueta de morte
Como eu paro? Espremendo meu coração
Vou morrer
ainda não
mas está lá
Por favor...
Dinheiro...
Esposa...
Todo ato é um símbolo
do peso daquilo que me esmaga
Uma linha pontilhada na garganta
CORTE AQUI
NÃO DEIXE ISSO ME MATAR
ISSO VAI ME MATAR E ME ESMAGAR E
ME MANDAR PARA O INFERNO
Te imploro para me salvar dessa loucura que me come
uma morte sub-intencional
Achei que nunca poderia falar de novo
mas agora sei que há algo mais obscuro do que o desejo
talvez me salve
talvez me mate
um assobio melancólico como um choro de um coração partido ao redor de uma vasilha infernal no teto da minha mente
um cobertor de baratas
pare essa guerra
Minhas pernas estão vazias
Nada a dizer
E esse é o ritmo da loucura
- - - - -
- Eu asfixiei os judeus, matei os curdos, bombardeei os árabes, fodi criancinhas enquanto imploravam por misericórdia, os campos de extermínio são meus, todos deixaram a festa por minha causa, vou sugar esses seus olhos de merda e mandá-los numa caixa para sua mãe e quando eu morrer vou reencarnar como uma criança só cinqüenta vezes pior e tão louca quanto toda sua vida de merda que vou fazer ser uma porra de um inferno EU ME RECUSO EU ME RECUSO EU ME RECUSO NÃO ME OLHE
- Está Tudo bem.
- NÃO ME OLHE
- Está tudo bem. Eu estou aqui.
- Não me olhe
- - - - -
Somos condenados
a párias da razão
Por que é que estou ferido?
tive visões de Deus
e isso deve passar
Preparem-se:
vocês serão partidos em pedaços
isso deve passar
Contemplem a luz do desespero
o fulgor da angústia
e serão levados à escuridão
Se há destruição
(deve haver destruição)
os nomes daqueles que ofendem devem ser gritados do topo dos edifícios
Temam Deus
e sua convocação perversa
uma caspa sobre minha pele, um fervilhar no meu coração
um cobertor de baratas onde dançamos
esse infernal estado de sítio
Tudo isso deve passar
todas essas palavras do meu respirar nocivo
Lembre da luz e acredite na luz
Cristo está morto
e os monges estão em êxtase
Somos os miseráveis
que destituímos nossos líderes
e queimamos incenso para Baal
Venham agora, vamos pensar juntos
A sanidade é encontrada na montanha da casa do Senhor no horizonte da alma que recua eternamente
A cabeça está doente, o coração dilacerado
Pisem o chão onde caminha a sabedoria
Abrace mentiras lindas –
a insanidade crônica do são
as violentas torções têm início
- - - - -
- Às 4h48
quando a sanidade vem me visitar
por uma hora e doze minutos fico em sã consciência.
Depois disso me vou outra vez,
uma boneca fragmentada, uma imbecil grotesca.
Aqui estou agora eu consigo me ver
mas quando estou encantada pela torpe ilusão da felicidade,
desse mágico repugnante e de sua máquina de feitiçaria,
não consigo tocar na essência do meu eu.
Por que é que você acreditou em mim naquela hora e agora não?
Lembre da luz e acredite na luz.
Nada importa agora.
Pare de julgar pelas aparências e faça um julgamento correto.
- Está tudo bem. Você vai ficar melhor.
- A tua falta de fé não cura nada.
Não me olhe.
- - - - -
Escotilha se abre
Luz opaca
Uma mesa duas cadeiras sem janelas
Aqui estou
E lá está meu corpo
dançando sobre o vidro
Numa época de acidentes onde não há acidentes
Você não tem escolha
a escolha vem depois
Cortem minha língua
arranquem meus cabelos
cortem minhas pernas
mas me deixem meu amor
preferia ter perdido minhas pernas
ter meus dentes arrancados
meus olhos sugados
do que ter perdido meu amor
brilha pisca corta queima torce aperta afaga corta
brilha pisca soca queima flutua pisca afaga pisca
soca pisca brilha queima afaga aperta torce aperta
soca pisca flutua queima brilha pisca queima
isso nunca vai passar
afaga pisca soca corta torce corta soca corta
flutua pisca brilha soca torce aperta brilha aperta
afaga pisca torce queima pisca afaga brilha afaga flutua
aperta corta flutua corta pisca queima afaga
Nada é para sempre
(só o Nada)
corta torce soca queima brilha afaga flutua afaga
pisca queima soca queima brilha afaga aperta afaga
torce pisca flutua corta queima corta soca corta
aperta corta flutua corta pisca queima afaga
Vítima. Perpetrador. Circunstante.
soca queima flutua pisca brilha pisca queima corta
torce aperta afaga corta brilha pisca afaga pisca
soca pisca brilha queima afaga aperta pisca torce
aperta soca brilha pisca queima pisca brilha
a manhã traz a derrota
torce corta soca corta flutua pisca brilha soca
torce afaga pisca soca corta aperta brilha aperta
afaga pisca torce queima pisca afaga brilha afaga flutua
queima aperta queima brilha pisca corta
dor maravilhosa
que diz que existo
pisca soca corta afaga torce aperta queima corta
aperta corta soca pisca brilha aperta queima corta
afaga pisca flutua brilha pisca afaga aperta queima corta
aperta corta soca brilha pisca queima
e uma vida mais sã amanhã
- - - - -
100
93
86
79
72
65
58
51
44
37
30
23
16
9
2
- - - - -
A sanidade é encontrada no centro da convulsão, onde a loucura é chamuscada pela alma dividida.
eu me conheço.
me vejo.
Minha vida é pega pela teia da razão
Tecida por um médico para aumentar a sanidade.
Às 4h48
vou dormir.
Vim te ver esperando ser curada.
Você é meu médico, meu salvador, meu juiz onipotente, meu padre, meu deus, o cirurgião da minha alma.
E sou sua seguidora na sanidade.
- - - - -
atingir objetivos e ambições
superar obstáculos e atingir alto padrão
aumentar auto-estima pelo sucesso do exercício do talento
superar a oposição
ter controle e influência sobre os outros
me defender
defender meu espaço psicológico
justificar o ego
receber atenção
ser vista e ouvida
excitar, surpreender, fascinar, chocar, intrigar, divertir, entreter ou atrair os outros
estar livre de restrições sociais
resistir à coação e à constrição
ser independente e agir conforme o desejo
desafiar a convenção
evitar a dor
evitar a vergonha
eliminar humilhações passadas recapitulando ações
manter o auto-respeito
reprimir o medo
superar a fraqueza
pertencer
ser aceita
se aproximar e se relacionar reciprocamente com o próximo
conversar de maneira amigável, contar histórias, trocar sentimentos, idéias, segredos
comunicar, conversar
rir e contar piadas
conquistar a afeição do Outro desejado
aderir e manter-se fiel ao Outro
gozar experiências sensuais com o Outro imaginado
ser alimentada, ajudada, protegida, confortada, consolada, apoiada, cuidada ou curada
construir uma relação agradável, durável, cooperativa e recíproca com o outro, com um semelhante
ser perdoada
ser amada
ser livre
- - - - -
- Você viu o pior de mim.
- É.
- Não sei nada de você.
- Não.
- Mas gosto de você.
- Gosto de você.
(Silêncio.)
Você é minha última esperança.
(Um longo silêncio.)
- Você não precisa de um amigo, você precisa de um médico.
(Um longo silêncio.)
- Você está muito errado.
(Um silêncio muito longo.)
- Mas você tem amigos.
(Um longo silêncio.)
Você tem muitos amigos.
O que você dá ao seus amigos para que eles te apóiem tanto?
(Um longo silêncio.)
O que você dá aos seus amigos para que eles te apóiem tanto?
(Um longo silêncio.)
O que você dá?
(Silêncio.)
Temos um relacionamento profissional. Acho que temos um bom relacionamento. Mas é profissional.
(Silêncio.)
Sinto sua dor mas não posso manter sua vida em minhas mãos.
(Silêncio.)
Você ficará bem. Você é forte. Sei que você ficará bem porque gosto de você e não consigo gostar de pessoas que não gostem delas mesmas. Temo pelas pessoas que eu não gosto porque elas se odeiam tanto que não deixam ninguém gostar delas. Mas gosto mesmo de você. Vou sentir sua falta. E sei que você ficará bem.
(Silêncio.)
A maioria dos meus clientes querem me matar. Quando saio daqui no fim do dia preciso ir para casa para o meu amor e relaxar. Preciso ficar com meus amigos e relaxar. Preciso mesmo estar junto de meus amigos.
(Silêncio.)
Odeio essa porra desse trabalho e preciso do meus amigos para me manter são.
(Silêncio.)
Desculpe.
- A culpa não é minha.
- Desculpe, isso foi um erro.
- A culpa não é minha.
- Não. A culpa não é sua. Desculpe.
(Silêncio.)
Eu estava tentando explicar –
- Eu sei. Estou com raiva porque eu entendo, não porque eu não entendo.
- - - - -
Engordada
Dividida
Expulsa
meu corpo descompensado
meu corpo voa para longe
não há como alcançar
além de onde já alcancei
você sempre vai ter um pouco de mim
porque você teve minha vida em suas mãos
essas mãos brutas
isso vai acabar comigo
Achei que era silêncio
até se fazer silêncio
como você inspirou essa dor?
nunca entendi
o que eu devia sentir
como um pássaro voando em um céu inchado
minha mente é rasgada por um relâmpago
quando voa por trás de um trovão
Escotilha se abre
Luz opaca
e Nada
Nada
não se vê Nada
Com o que me pareço?
com a filha da negação
de uma câmara de tortura para outra
uma sucessão de erros terríveis sem perdão
cada passo do caminho onde cai
Desespero me leva ao suicídio
Angústia que os médicos não encontram cura
Não tentam entender
Espero que você nunca entenda
Porque gosto de você
gosto de você
gosto de você
calma água preta
tão funda como o infinito
tão fria como o céu
tão calma quanto meu coração quando sua voz se foi
devo congelar no inferno
claro que te amo
você salvou minha vida
queria que você não tivesse
queria que você não tivesse
queria que você tivesse me deixado em paz
um filme preto e branco de sim ou não sim ou não sim ou não sim ou não sim ou não sim ou não
Sempre te amei
mesmo quando te odiei
Com que me pareço?
com meu pai
ah não ah não ah não
Escotilha se abre
Luz opaca
a ruptura começa
não sei mais para onde olhar
Cansada de procurar na multidão
Telepatia
E esperança
Veja a estrela
preveja o passado
e mude o mundo com um eclipse de prata
a única coisa permanente é a destruição
vamos todos desaparecer
tentando deixar uma marca mais permanente do que eu mesma
Não me matei antes então não procure por precedentes
O que veio antes foi só o começo
um medo cíclico
isso não é a lua é a terra
Uma revolução
Querido Deus, querido Deus, o que devo fazer?
Tudo que sei
é neve
e negro desespero
Nenhum lugar para me virar
um espasmo moral sem efeito
a única alternativa para assassinar
Por favor não me cortem para descobrir como morri
Eu lhe digo como morri
Cem de Lofepramine, quarenta e cinco de Zopiclone, vinte e cinco de Temazepam, e vinte de Melleril
Tudo que eu tinha
Engolido
Rasgado
Pendurado
Está feito
cuidado com o Eunuco
de pensamento castrado
crânio
sem ferimento
a captura
o êxtase
a ruptura
de uma alma
um solo sinfônico
às 4h48
a hora feliz
quando a claridade visita
escuridão quente
que alaga meus olhos
não conheço pecado
essa é a doença por se tornar grande
essa necessidade vital pela qual eu morreria
ser amada
estou morrendo por aquele que não se importa
estou morrendo por aquele que não sabe
você está me destruindo
Fala
Fala
Fala
um círculo de fracasso de dez metros
fique longe de mim
Minha última declaração
Ninguém fala
Me torne legítima
Me torne presente
Me veja
Me ame
minha última submissão
minha derrota final
o covarde ainda dança
o covarde não vai parar
acho que você pensa em mim
do jeito que eu acho que você pensa em mim
o parágrafo final
o ponto final
cuide de sua mãe agora
cuide de sua mãe
cai neve negra
você me abraça na morte
nunca livre
não desejo a morte
nenhum suicídio deseja
me veja desaparecer
me veja
desaparecer
me veja
me veja
veja
Fui eu mesma que eu nunca conheci, aquela que tem a face colada na parte inferior da minha mente
por favor abram as cortinas
- - - - -