O melhor café você conhece pelo cheiro

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Cia 14-10-08

Ator Falante está sempre falando e caminhando. Ator Ouvinte está deitado, reage ao Ator Falante. Ator Ouvinte não pode sair da área de encenação e tem disponíveis para a improvisação cigarros, fósforos e velas.

Voz: (caminhando em volta da arena):
Simplesmente as coisas não são do seu lado. Pensa uma bobagem, até sua pequena cara é de lado. Em esquina. Nem pense se é bonita ou feia. Você é óbvia.
Sempre há alguma coisa pela qual se guiar e arrumar. Você diz falando de si, Ela fala de si mesma falando de outro. Também se inventa, pela companhia. Quanto a você (pausa) ela se guia pelo fato de não ser casada, de ter a mesma empregada desde que nasceu, de ser uma mulher de trinta anos de idade, pouco batom, roupa pálida... e que mais? Evite depressa “o que mais” pois a essa pergunta cairia num sentimento muito egoísta e ingrato: você se sentiria só, o que era pecado porque quem tem Deus nunca está só. Tinha Deus, pois não é a única que o tem? Tem?
Ela costuma contar as coisas, por uma espécie de mania de ordem, afinal inócua e até divertida. Acha consolo nos números. Parte de um certo ritmo cardíaco e calcula quantas batidas por dia. Por semana. Por mês. Por ano. E, calculando um certo tempo de vida, por toda a vida. Até a última batida.
Madame Constança, sinto (pausa) sente lhe informar que nesta casa não vive ninguém com o nome de Flávia, sei (pausa) sabe que Flávia é um nome muito romântico, mas é que não tem aqui nenhuma, que é que eu (pausa) você pode fazer? Não sei (pausa) sabe responder porque nunca tinha antes pensado nisso. Só sabe responder coisas que já pensou.
Será que uma vez os tão longos dias terminem? Assim devaneio calma, quieta. Devaneia calma, quieta. Será que a morte é um blefe? Um truque da vida? E assim é.
Não creio, eu não creio, mas tenho sim energia. Quem manda estar gorda? Quanto a ela é uma mulher de 26 anos, gorda sedentária que vive até hoje na casa da mamãe, mas espera mudar muito em breve. Logo dará o pé. Também sou pálida, branca, muito branca, mais e aí? Respiração. Estou suando e depois? Depois, sempre depois, só não terminarei tomando pílulas pelo amor de Deus. Amo Clarice Lispector mesmo não sendo para falar dela, sempre falo dos outros para não falar de mim. Diz falando de si, Ela fala de si mesma falando de outro.
Era um cigarro de marca cara, desse fumo louro, cigarrilha estreita e comprida, qualidade social de uma pessoa que não era por acaso ela. Você. Aliás, por mero acaso, não é muitas coisas. E por mero acaso havia nascido. E depois? Depois. Depois. Pois então. Assim mesmo. Não é? Assim mesmo havia já chegado de assim era.

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