O melhor café você conhece pelo cheiro

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Psicose 4h48

Sarah Kane

Tradução Laerte Mello

(Um silêncio muito longo.)

- Mas você tem amigos.

(Um silêncio longo.)

Você tem muitos amigos.

O que é que você dá aos seus amigos que faz com que eles te apóiem tanto?

(Um silêncio longo.)

O que é que você dá aos seus amigos que faz com que eles te apóiem tanto?

(Um silêncio longo.)

O que é que você dá?

(Silêncio.)

- - - - -

uma consciência consolidada reside em um salão de jantar escurecido perto do teto de uma mente onde o chão se desloca como dez mil baratas quando um feixe de luz penetra como todos os pensamentos unidos em um instante de harmonia do corpo não tão repelente como as baratas compreendem uma verdade que ninguém nunca fala

Tive uma noite em que tudo foi revelado.

Como posso falar de novo?

a hermafrodita destruída que confiou só nela encontra a sala em prolífica realidade e implora nunca acordar do pesadelo

e estavam todos lá

cada um deles

e sabiam meu nome

como escapei feito um besouro ao longo das costas de suas cadeiras

Lembre da luz e acredite na luz

Um instante de claridade antes da noite eterna

Não me deixe esquecer

- - - - -

estou triste

sinto que o futuro é desesperançoso e que as coisas não podem melhorar

estou chateada e insatisfeita com tudo

sou um completo fracasso como pessoa

sou culpada, estou sendo punida

gostaria de me matar

costumo conseguir chorar mas agora estou além das lágrimas

perdi o interesse em outras pessoas

não consigo tomar decisões

não consigo comer

não consigo dormir

não consigo pensar

não consigo ir além da minha solidão, do meu medo, do meu desgosto

estou gorda

não consigo escrever

não consigo amar

meu irmão está morrendo, meu amor está morrendo, estou matando os dois

me desloco rapidamente em direção à minha morte

estou aterrorizada com a medicação

não consigo fazer amor

não consigo foder

não consigo ficar sozinha

não consigo ficar com outras pessoas

meus quadris estão muito grandes

não gosto dos meus órgãos genitais

Às 4h48

quando o desespero me visita

me enforco

com o som da respiração de meu amante

não quero mesmo morrer

me tornei tão depressiva por causa da minha mortalidade que decidi cometer suicídio

não quero mesmo viver

tenho ciúmes de meu amor adormecido e cobiço sua inconsciência induzida

Quando ele acordar vai ter inveja da minha noite sem dormir de pensamentos e discursos sem atrativos por causa dos medicamentos

Este ano renunciei a mim mesma pela minha morte

Alguns vão chamar isso de auto-satisfação

(eles têm sorte de não saber a verdade)

Alguns vão conhecer simplesmente a dor

Isso está se tornando minha rotina

- - - - -

100

91

84

81

72

69

58

44

38

42

28

12

7

- - - - -

Não foi por muito tempo, eu não estava lá por tanto tempo. Mas bebendo café amargo senti aquele cheiro medicinal em uma nuvem antiga de tabaco e algo me tocou naquele lugar ainda soluçante e um ferimento de dois anos atrás se abriu como um cadáver e uma vergonha longa e enterrada brandiu sua dor decadente e abominável.

Um quarto de faces inexpressivas que encaram com indiferença a minha dor, tão desprovidas de significado que deve haver uma intenção diabólica.

Dr. Isso e Dr. Aquilo e Dr Oqueéisso estavam apenas de passagem e acharam que poderiam entrar no quarto para gozarem da minha cara também. Queimando em um túnel quente de desalento, minha humilhação se completa por eu tremer sem razão e por tropeçar nas palavras e por não ter nada a dizer sobre minha “doença” que de qualquer maneira só vale para saber que não há significado em coisa nenhuma porque vou morrer. E estou em um beco sem saída levada por aquela voz suave e psiquiátrica da razão que me diz que há uma realidade objetiva na qual meu corpo e minha mente são uma coisa só. Mas não estou aqui nem nunca estive. Dr. Isso escreve e Dr. Aquilo tenta um murmúrio simpático. Me assistindo, me julgando, cheirando o fracasso e a paralisia que escorrem da minha pele, meu desespero me rasgando e o pânico me consumindo me encharcando enquanto eu no mundo boquiaberta de horror pensando por que todos estão sorrindo e me olhando com um conhecimento secreto da minha vergonha dolorida.

Vergonha vergonha vergonha.

Se afogando na sua vergonha de merda.

Médicos misteriosos, médicos sensatos, médicos excêntricos, médicos que você pensaria que estavam fodendo pacientes se não lhe mostrassem provas do contrário, fazem as mesmas perguntas, põem palavras na minha boca, oferecem curas químicas para angústias congênitas e cobrem os rabos um dos outros até eu querer gritar por você, o único médico que me tocou voluntariamente, que olhou nos meus olhos, que riu com humor mórbido com uma voz vinda de dentro do meu túmulo recém-aberto, que tirou um sarro da minha cara quando raspei minha cabeça, que mentiu e disse que era legal me ver. Que mentiu. E disse que era legal me ver. Confiei em você, amei você, e não é perder você que me machuca, mas sim sua falsidade fodida e descarada disfarçada em notas médicas.

Sua verdade, suas mentiras, não as minhas.

E enquanto eu acreditava que você era diferente e que você talvez até sentisse a aflição que às vezes oscilava pela sua face e ameaçava irromper, você estava cobrindo seu rabo também. Como qualquer outro mortal cuzão estúpido.

Na minha cabeça isso é traição. E minha cabeça é o tema desses fragmentos desorientados.

Nada pode extinguir meu ódio.

E nada pode restaurar minha fé.

Esse não é um mundo que eu deseje viver.

- - - - -

- Você fez algum plano?

- Tomar uma overdose, cortar meus pulsos depois me enforcar.

- Tudo isso de uma vez?

- E sem que fosse interpretado como um grito por socorro.

(Silêncio.)

- Não daria certo.

- Claro que daria certo.

- Não daria certo. Você se sentiria sonolenta por causa da overdose e não teria forças para cortar os pulsos.

(Silêncio.)

- Eu estaria em pé numa cadeira com uma corda enrolada no pescoço.

(Silêncio.)

- Se você estivesse sozinha você acha que você faria mal a você mesma?

- Estou muito assustada.

- Isso não seria uma defesa?

- Sim. É o medo que me mantém longe dos trilhos dos trens. Só espero de Deus que a morte seja mesmo a porra do fim. Me sinto como se tivesse oitenta anos de idade. Estou cansada da vida e minha mente quer morrer.

- Isso é uma metáfora, não é realidade.

- É como se fosse.

- Isso não é realidade.

- Não é uma metáfora, é como se fosse, mas ainda que fosse uma metáfora, a definição característica de uma metáfora é que ela é real.

(Um longo silêncio.)

- Você não tem oitenta anos de idade.

(Silêncio.)

Tem?

(Silêncio.)

Tem?

(Silêncio.)

Ou tem?

(Um longo silêncio.)

- Você despreza todas as pessoas infelizes ou só especificamente a mim?

- Eu não desprezo você. Você não tem culpa. Você está doente.

- Eu não acho.

- Não?

- Não. Estou deprimida. Depressão é ódio. É o que você fez, você que estava lá e você que está se culpando.

- E quem você está culpando?

- A mim mesma.

- - - - -

Corpo e alma nunca podem se casar.

Preciso me tornar quem já sou e bradarei para sempre esta incongruência que me mandou para o inferno

A esperança insolúvel não me mantém de pé.

Eu me afogarei na dysphoria

em uma lagoa negra fria de mim mesma

o fosso da minha mente irrelevante

Como posso voltar à forma

Agora que meus pensamentos formais se foram?

Não é uma vida que eu possa aceitar.

Eles me amarão por aquilo que me destrói

a espada nos meus sonhos

a poeira dos meus pensamentos

a doença que se reproduz nos cantos da minha mente

Todo elogio tira um pedaço da minha alma

Uma crítica expressionista

Nas cadeiras centrais entre dois bobos

Ele não sabem nada –

sempre andei livre

Continua numa longa linha de cleptomaníacos literais

(um tempo honrada tradição)

Roubo é um ato sagrado

Sobre uma trilha destorcida para expressar

Uma superabundância de pontos de exclamação escreve um eminente colapso nervoso

Uma única palavra na página e existe um drama

Eu escrevo pelos mortos

que estão por vir

Depois das 4h48 eu não devo falar mais

Alcancei o fim desse conto triste e repugnante

De um senso internado em uma carcaça alienígena

Inchada pelo espírito maligno da maioria que prega a moral

estive morta por um longo tempo

De volta às minhas raízes

canto sem esperança no meu limite

- - - - -

RSVP ASAP

- - - - -

Às vezes me viro e sinto seu cheiro e não posso seguir é uma porra e não posso seguir sem expressar essa dor física terrível tão fodidamente horrorosa e grandiosamente fodida que sinto por você. E não posso acreditar que posso sentir isso por você e você não sente nada. Você não sente nada?

(Silêncio.)

Você não sente nada?

(Silêncio.)

E saio às seis da manhã e começo minha procura por você. Se sonhei com uma rua ou um bar ou uma estação vou lá. E espero por você.

(Silêncio.)

Sabe, me sinto como se estivesse sendo manipulada.

(Silêncio.)

Nunca tive problemas na vida dando a outras pessoas o que elas querem. Mas ninguém ainda foi capaz de fazer isso por mim. Ninguém me toca, ninguém se aproxima de mim. Mas agora você me tocou em algum lugar tão fodidamente profundo que não consigo acreditar e não consigo fazer isso por você. Porque não consigo te achar.

(Silêncio.)

Como ela é?

E como vou saber que é ela quando eu conhecê-la?

Ela vai morrer, ela vai morrer, porra ela só vai morrer.

(Silêncio.)

Você acha que é possível uma pessoa nascer em um corpo errado?

(Silêncio.)

Você acha que é possível uma pessoa nascer em uma época errada?

(Silêncio.)

Foda-se. Foda-se. Foda-se por me rejeitar nunca estando lá, foda-se por me fazer me sentir uma merda, foda-se por sangrar a porra do amor e da vida, foda-se meu pai por ter fodido minha vida e foda-se minha mãe por não o ter deixado, mas acima de tudo, foda-se Deus por ter me feito amar alguém que não existe,

FODA-SE FODA-SE FODA-SE

- - - - -

- Ah querida, o que aconteceu com seu braço?

- Me cortei.

- Isso foi muito imaturo, procurar chamar a atenção desse jeito.

Te aliviou de alguma forma?

- Não.

- Aliviou sua tensão?

- Não.

- Te aliviou de alguma forma?

(Silêncio.)

- Te aliviou de alguma forma?

- Não.

- Não entendo por que você fez isso.

- Então pergunte.

- Aliviou sua tensão?

(Um longo silêncio.)

Posso ver?

- Não.

- Queria olhar, para ver se infeccionou.

- Não.

(Silêncio.)

- Achei que você teria feito isso. Muita gente faz isso. Alivia a tensão.

- Você já fez?

- ...

- Não. É um porra são e sensato. Não sei onde você leu isso, mas não alivia a tensão.

(Silêncio.)

Por que você não me pergunta por quê?

Por que cortei meu braço?

- Você quer me falar?

- Sim.

- Então fale.

- PERGUNTE

ME

POR QUÊ

(Um longo silêncio.)

- Por que você cortou seu braço?

- Porque me faz sentir bem pra caralho. Porque é bom pra caralho.

- Posso ver?

- Pode ver. Mas não toque.

- (Olha) E você acha que não está doente?

- Não.

- Eu acho. A culpa não é sua. Mas você tem que assumir a responsabilidade pelos seus atos. Por favor não faça isso de novo.

- - - - -

temo perdê-la sem nunca tê-la tocado

o amor me mantém escrava em uma gaiola de lágrimas

eu rôo minha língua de forma que nunca mais possa falar

sinto falta de uma mulher que nunca nasceu

beijo uma mulher por anos sem nunca termos nos encontrado

Tudo passa

Tudo perece

Tudo se torna enfadonho

meu pensamento se vai com um sorriso assassino

deixando uma ansiedade discordante

que grita na minha alma

Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança Sem esperança

Uma canção para minha amada, tocando sua ausência

o fluxo do coração dela, o respingar do seu sorriso

Em dez anos ela ainda estará morta. Quando eu estiver vivendo com isso, lidando com isso, quando alguns dias se passarem quando eu nem sequer pensar mais nisso, ela ainda estará morta. Quando eu for uma velha senhora vivendo nas ruas esquecendo meu nome ela ainda estará morta, ela ainda estará morta, esta

porra

está acabada

e tenho que seguir sozinha

Meu amor, meu amor, por que você me abandonou?

Ela é o lugar confortável onde nunca deitarei e não tem sentido viver na luz da minha perda

Feita para ser sozinha

para amar a ausência

Me encontre

me liberte

disso

dúvida corrosiva

desespero fútil

horror em repouso

posso ocupar meu espaço

ocupar meu tempo

mas nada pode ocupar o vazio de meu coração

A necessidade vital pela qual eu morreria

Esgotamento nervoso

- - - - -

- Nada de ses ou mases

- Eu não disse se ou mas, eu disse não.

- Não poder dever nunca ter-quê sempre não será não deveria não deverá

Os inegociáveis

Hoje não.

(Silêncio.)

- Por favor. Não desligue minha mente na tentativa de me curar. Ouça e entenda, e quando sentir desprezo não expresse-o, pelo menos não verbalmente, pelo menos não para mim.

(Silêncio.)

- Não sinto desprezo.

- Não?

- Não. A culpa não é sua.

- A culpa não é sua, é tudo que eu ouço, a culpa não é sua, é uma doença, a culpa não é sua, eu sei que a culpa não é minha. Você me diz isso com tanta freqüência que estou começando a pensar que a culpa é minha.

- A culpa não é sua.

- EU SEI.

- Mas você a reconhece.

(Silêncio.)

- Reconhece?

- Não há uma droga sobre a terra que possa fazer a vida significar algo.

- Você reconhece este estado de absurdo desespero.

(Silêncio.)

Você o reconhece.

(Silêncio.)

- Não serei capaz de pensar. Não serei capaz de trabalhar.

- Nada interferirá mais em seu trabalho do que o suicídio.

(Silêncio.)

- Sonhei que tinha ido à médica e que ela tinha me dado oito minutos de vida. E ela tinha me deixado sentada na porra da sala de espera durante meia hora.

(Um longo silêncio.)

Tudo bem, vamos lá, vamos às drogas, vamos preparar a lobotomia química, vamos estancar as funções mais importantes do meu cérebro e talvez eu me torne mais fodidamente capaz de viver.

Vamos lá.

- - - - -

abstração até o limite do

desagradável

inaceitável

desinspirador

impenetrável

irrelevante

irreverente

incrédulo

impenitente

antipatia

deslocamento

desencarnado

desconstruído

Não imagino

(claramente)

que uma simples alma

podia

poderia

deveria

ou deverá

e se eles fizessem

não acho

(claramente)

que outro alma

uma alma como a minha

podia

poderia

deveria

ou deverá

não levar em conta

Sei que não estou fazendo

tudo muito bem

Nada de falantes de língua nativa

irracional

irredutível

irremediável

irreconhecível

descarrilhado

transtornado

deformado

livre de forma

obscuro ao limite do

Verdadeiro Certo Correto

Qualquer um ou Qualquer pessoa

Cada tudo todos

se afogando em um mar de lógica

esse monstruoso estado de paralisia

ainda doente

- - - - -

Sintomas: sem comer, sem dormir, sem falar, sem desejo sexual, em desespero, quer morrer.

Diagnóstico: Dor patológica

Sertraline, 50 mg. Insônia acentuada, forte ansiedade, anorexia, (perda de 17 kilos) aumento de intenções, planos e pensamentos suicidas. Interrompido seguido de hospitalização.

Zopiclone, 7,5 mg. Sonolência. Interrompido provoca falas sem sentido e movimentos desconectos. Paciente tentou deixar o hospital sem alta médica. Foi detida por três enfermeiros duas vezes maior que ela. Paciente ameaçador e não cooperador. Idéias paranóicas – acredita que os funcionários do hospital querem envenená-la.

Melleril, 50 mg. Cooperadora.

Lofepramine, 70 mg, dobrada para 140 mg, depois 210 mg. Ganhou doze kilos. Perda de memória recente. Nenhuma outra reação.

Discutiu com médico estagiário acusando-o de traição depois de ela ter raspado a cabeça e cortado os braços com lâminas de barbear.

Paciente inscrito em programa comunitário desobrigado de pagamento deu entrada em estado psicótico gravíssimo no pronto-socorro necessitando com urgência de leito hospitalar.

Citalopram, 20 mg. Tremores pela manhã. Nenhuma outra reação.

Lofepramine e Citalopram interrompidos depois de o paciente ter urinado devido aos efeitos colaterais e ausência óbvia de melhora. Sintomas após a interrupção: Tonturas e confusão. Paciente cai em demasia, desmaia e anda na frente de carros. Idéias desarranjadas – acredita que o especialista é o anti-Cristo.

Fluoxetine hydrochloride, nome fantasia Prozac, 20mg, dobrada para 40mg. Insônia, apetite irregular, (perda de 14 kilos) forte ansiedade, incapaz de atingir orgasmo, idéias homicidas em relação a vários médicos e fabricantes de drogas. Interrompidos.

Humor: Fodidamente raivoso.

Comportamento: Muito raivoso.

Thorazine, 100mg. Sonolência. Mais calma.

Venlafaxine, 75 mg, dobrado para 150 mg, depois para 225mg. Tontura, queda de pressão sanguínea, dores de cabeça. Nenhuma outra reação. Interrompido.

Paciente recusa Seroxat. Hipocondria – espasmos de piscar de olhos e forte perda de memória como evidência de dyskinesia tardia e demência tardia.

Recusa de mais tratamento.

Aspirina 100 e uma garrafa de Cabernet Sauvignon búlgaro, 1986. Paciente acordou numa piscina de vômito e disse “Durma com o cachorro e acorde cheio de moscas.” Fortes dores estomacais. Nenhuma outra reação.

- - - - -

Escotilha se abre

Luz opaca

a televisão fala

cheia de olhos

os espíritos da visão

e agora estou com medo

estou vendo coisas

estou ouvindo coisas

não sei quem sou

língua para fora

pensamento truncado

os colapsos inconstantes da minha mente

Onde começo?

Onde paro?

Como começo?

(Como se eu quisesse ir em frente)

Como eu paro?

Como eu paro?

Como eu paro?

Como eu paro?

Como eu paro? Uma etiqueta de dor

Como eu paro? Apunhalando meus pulmões

Como eu paro? Uma etiqueta de morte

Como eu paro? Espremendo meu coração

Vou morrer

ainda não

mas está lá

Por favor...

Dinheiro...

Esposa...

Todo ato é um símbolo

do peso daquilo que me esmaga

Uma linha pontilhada na garganta

CORTE AQUI

NÃO DEIXE ISSO ME MATAR

ISSO VAI ME MATAR E ME ESMAGAR E

ME MANDAR PARA O INFERNO

Te imploro para me salvar dessa loucura que me come

uma morte sub-intencional

Achei que nunca poderia falar de novo

mas agora sei que há algo mais obscuro do que o desejo

talvez me salve

talvez me mate

um assobio melancólico como um choro de um coração partido ao redor de uma vasilha infernal no teto da minha mente

um cobertor de baratas

pare essa guerra

Minhas pernas estão vazias

Nada a dizer

E esse é o ritmo da loucura

- - - - -

- Eu asfixiei os judeus, matei os curdos, bombardeei os árabes, fodi criancinhas enquanto imploravam por misericórdia, os campos de extermínio são meus, todos deixaram a festa por minha causa, vou sugar esses seus olhos de merda e mandá-los numa caixa para sua mãe e quando eu morrer vou reencarnar como uma criança só cinqüenta vezes pior e tão louca quanto toda sua vida de merda que vou fazer ser uma porra de um inferno EU ME RECUSO EU ME RECUSO EU ME RECUSO NÃO ME OLHE

- Está Tudo bem.

- NÃO ME OLHE

- Está tudo bem. Eu estou aqui.

- Não me olhe

- - - - -

Somos condenados

a párias da razão

Por que é que estou ferido?

tive visões de Deus

e isso deve passar

Preparem-se:

vocês serão partidos em pedaços

isso deve passar

Contemplem a luz do desespero

o fulgor da angústia

e serão levados à escuridão

Se há destruição

(deve haver destruição)

os nomes daqueles que ofendem devem ser gritados do topo dos edifícios

Temam Deus

e sua convocação perversa

uma caspa sobre minha pele, um fervilhar no meu coração

um cobertor de baratas onde dançamos

esse infernal estado de sítio

Tudo isso deve passar

todas essas palavras do meu respirar nocivo

Lembre da luz e acredite na luz

Cristo está morto

e os monges estão em êxtase

Somos os miseráveis

que destituímos nossos líderes

e queimamos incenso para Baal

Venham agora, vamos pensar juntos

A sanidade é encontrada na montanha da casa do Senhor no horizonte da alma que recua eternamente

A cabeça está doente, o coração dilacerado

Pisem o chão onde caminha a sabedoria

Abrace mentiras lindas –

a insanidade crônica do são

as violentas torções têm início

- - - - -

- Às 4h48

quando a sanidade vem me visitar

por uma hora e doze minutos fico em sã consciência.

Depois disso me vou outra vez,

uma boneca fragmentada, uma imbecil grotesca.

Aqui estou agora eu consigo me ver

mas quando estou encantada pela torpe ilusão da felicidade,

desse mágico repugnante e de sua máquina de feitiçaria,

não consigo tocar na essência do meu eu.

Por que é que você acreditou em mim naquela hora e agora não?

Lembre da luz e acredite na luz.

Nada importa agora.

Pare de julgar pelas aparências e faça um julgamento correto.

- Está tudo bem. Você vai ficar melhor.

- A tua falta de fé não cura nada.

Não me olhe.

- - - - -

Escotilha se abre

Luz opaca

Uma mesa duas cadeiras sem janelas

Aqui estou

E lá está meu corpo

dançando sobre o vidro

Numa época de acidentes onde não há acidentes

Você não tem escolha

a escolha vem depois

Cortem minha língua

arranquem meus cabelos

cortem minhas pernas

mas me deixem meu amor

preferia ter perdido minhas pernas

ter meus dentes arrancados

meus olhos sugados

do que ter perdido meu amor

brilha pisca corta queima torce aperta afaga corta

brilha pisca soca queima flutua pisca afaga pisca

soca pisca brilha queima afaga aperta torce aperta

soca pisca flutua queima brilha pisca queima

isso nunca vai passar

afaga pisca soca corta torce corta soca corta

flutua pisca brilha soca torce aperta brilha aperta

afaga pisca torce queima pisca afaga brilha afaga flutua

aperta corta flutua corta pisca queima afaga

Nada é para sempre

(só o Nada)

corta torce soca queima brilha afaga flutua afaga

pisca queima soca queima brilha afaga aperta afaga

torce pisca flutua corta queima corta soca corta

aperta corta flutua corta pisca queima afaga

Vítima. Perpetrador. Circunstante.

soca queima flutua pisca brilha pisca queima corta

torce aperta afaga corta brilha pisca afaga pisca

soca pisca brilha queima afaga aperta pisca torce

aperta soca brilha pisca queima pisca brilha

a manhã traz a derrota

torce corta soca corta flutua pisca brilha soca

torce afaga pisca soca corta aperta brilha aperta

afaga pisca torce queima pisca afaga brilha afaga flutua

queima aperta queima brilha pisca corta

dor maravilhosa

que diz que existo

pisca soca corta afaga torce aperta queima corta

aperta corta soca pisca brilha aperta queima corta

afaga pisca flutua brilha pisca afaga aperta queima corta

aperta corta soca brilha pisca queima

e uma vida mais sã amanhã

- - - - -

100

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9

2

- - - - -

A sanidade é encontrada no centro da convulsão, onde a loucura é chamuscada pela alma dividida.

eu me conheço.

me vejo.

Minha vida é pega pela teia da razão

Tecida por um médico para aumentar a sanidade.

Às 4h48

vou dormir.

Vim te ver esperando ser curada.

Você é meu médico, meu salvador, meu juiz onipotente, meu padre, meu deus, o cirurgião da minha alma.

E sou sua seguidora na sanidade.

- - - - -

atingir objetivos e ambições

superar obstáculos e atingir alto padrão

aumentar auto-estima pelo sucesso do exercício do talento

superar a oposição

ter controle e influência sobre os outros

me defender

defender meu espaço psicológico

justificar o ego

receber atenção

ser vista e ouvida

excitar, surpreender, fascinar, chocar, intrigar, divertir, entreter ou atrair os outros

estar livre de restrições sociais

resistir à coação e à constrição

ser independente e agir conforme o desejo

desafiar a convenção

evitar a dor

evitar a vergonha

eliminar humilhações passadas recapitulando ações

manter o auto-respeito

reprimir o medo

superar a fraqueza

pertencer

ser aceita

se aproximar e se relacionar reciprocamente com o próximo

conversar de maneira amigável, contar histórias, trocar sentimentos, idéias, segredos

comunicar, conversar

rir e contar piadas

conquistar a afeição do Outro desejado

aderir e manter-se fiel ao Outro

gozar experiências sensuais com o Outro imaginado

ser alimentada, ajudada, protegida, confortada, consolada, apoiada, cuidada ou curada

construir uma relação agradável, durável, cooperativa e recíproca com o outro, com um semelhante

ser perdoada

ser amada

ser livre

- - - - -

- Você viu o pior de mim.

- É.

- Não sei nada de você.

- Não.

- Mas gosto de você.

- Gosto de você.

(Silêncio.)

Você é minha última esperança.

(Um longo silêncio.)

- Você não precisa de um amigo, você precisa de um médico.

(Um longo silêncio.)

- Você está muito errado.

(Um silêncio muito longo.)

- Mas você tem amigos.

(Um longo silêncio.)

Você tem muitos amigos.

O que você dá ao seus amigos para que eles te apóiem tanto?

(Um longo silêncio.)

O que você dá aos seus amigos para que eles te apóiem tanto?

(Um longo silêncio.)

O que você dá?

(Silêncio.)

Temos um relacionamento profissional. Acho que temos um bom relacionamento. Mas é profissional.

(Silêncio.)

Sinto sua dor mas não posso manter sua vida em minhas mãos.

(Silêncio.)

Você ficará bem. Você é forte. Sei que você ficará bem porque gosto de você e não consigo gostar de pessoas que não gostem delas mesmas. Temo pelas pessoas que eu não gosto porque elas se odeiam tanto que não deixam ninguém gostar delas. Mas gosto mesmo de você. Vou sentir sua falta. E sei que você ficará bem.

(Silêncio.)

A maioria dos meus clientes querem me matar. Quando saio daqui no fim do dia preciso ir para casa para o meu amor e relaxar. Preciso ficar com meus amigos e relaxar. Preciso mesmo estar junto de meus amigos.

(Silêncio.)

Odeio essa porra desse trabalho e preciso do meus amigos para me manter são.

(Silêncio.)

Desculpe.

- A culpa não é minha.

- Desculpe, isso foi um erro.

- A culpa não é minha.

- Não. A culpa não é sua. Desculpe.

(Silêncio.)

Eu estava tentando explicar –

- Eu sei. Estou com raiva porque eu entendo, não porque eu não entendo.

- - - - -

Engordada

Dividida

Expulsa

meu corpo descompensado

meu corpo voa para longe

não há como alcançar

além de onde já alcancei

você sempre vai ter um pouco de mim

porque você teve minha vida em suas mãos

essas mãos brutas

isso vai acabar comigo

Achei que era silêncio

até se fazer silêncio

como você inspirou essa dor?

nunca entendi

o que eu devia sentir

como um pássaro voando em um céu inchado

minha mente é rasgada por um relâmpago

quando voa por trás de um trovão

Escotilha se abre

Luz opaca

e Nada

Nada

não se vê Nada

Com o que me pareço?

com a filha da negação

de uma câmara de tortura para outra

uma sucessão de erros terríveis sem perdão

cada passo do caminho onde cai

Desespero me leva ao suicídio

Angústia que os médicos não encontram cura

Não tentam entender

Espero que você nunca entenda

Porque gosto de você

gosto de você

gosto de você

calma água preta

tão funda como o infinito

tão fria como o céu

tão calma quanto meu coração quando sua voz se foi

devo congelar no inferno

claro que te amo

você salvou minha vida

queria que você não tivesse

queria que você não tivesse

queria que você tivesse me deixado em paz

um filme preto e branco de sim ou não sim ou não sim ou não sim ou não sim ou não sim ou não

Sempre te amei

mesmo quando te odiei

Com que me pareço?

com meu pai

ah não ah não ah não

Escotilha se abre

Luz opaca

a ruptura começa

não sei mais para onde olhar

Cansada de procurar na multidão

Telepatia

E esperança

Veja a estrela

preveja o passado

e mude o mundo com um eclipse de prata

a única coisa permanente é a destruição

vamos todos desaparecer

tentando deixar uma marca mais permanente do que eu mesma

Não me matei antes então não procure por precedentes

O que veio antes foi só o começo

um medo cíclico

isso não é a lua é a terra

Uma revolução

Querido Deus, querido Deus, o que devo fazer?

Tudo que sei

é neve

e negro desespero

Nenhum lugar para me virar

um espasmo moral sem efeito

a única alternativa para assassinar

Por favor não me cortem para descobrir como morri

Eu lhe digo como morri

Cem de Lofepramine, quarenta e cinco de Zopiclone, vinte e cinco de Temazepam, e vinte de Melleril

Tudo que eu tinha

Engolido

Rasgado

Pendurado

Está feito

cuidado com o Eunuco

de pensamento castrado

crânio

sem ferimento

a captura

o êxtase

a ruptura

de uma alma

um solo sinfônico

às 4h48

a hora feliz

quando a claridade visita

escuridão quente

que alaga meus olhos

não conheço pecado

essa é a doença por se tornar grande

essa necessidade vital pela qual eu morreria

ser amada

estou morrendo por aquele que não se importa

estou morrendo por aquele que não sabe

você está me destruindo

Fala

Fala

Fala

um círculo de fracasso de dez metros

fique longe de mim

Minha última declaração

Ninguém fala

Me torne legítima

Me torne presente

Me veja

Me ame

minha última submissão

minha derrota final

o covarde ainda dança

o covarde não vai parar

acho que você pensa em mim

do jeito que eu acho que você pensa em mim

o parágrafo final

o ponto final

cuide de sua mãe agora

cuide de sua mãe

cai neve negra

você me abraça na morte

nunca livre

não desejo a morte

nenhum suicídio deseja

me veja desaparecer

me veja

desaparecer

me veja

me veja

veja

Fui eu mesma que eu nunca conheci, aquela que tem a face colada na parte inferior da minha mente

por favor abram as cortinas

- - - - -

2 Comentários:

  • Lindo, ja passei por experiencias sensoriao muito más e o teu texto fez me relembrar tudo o que de mais terrivel pode suceder conosco
    Contacta-me , partilharemos experiencias: msantos.1977@hotmail.com
    Um abraço

    Às 8:39 PM  

  • Esta mulher era realmente incrível.
    Lindo teu blog, visite o meu https://lolitajingle.wordpress.com

    Às 1:29 AM  

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