Cia 7-10-08
Ator Falante está sempre falando e caminhando, segura uma vela. Ator Ouvinte está deitado, reage ao Ator Falante. Ator Ouvinte não pode sair da área de encenação e tem disponíveis para a improvisação cigarros, fósforos e velas.
Voz: (caminhando em volta da arena):
Simplesmente as coisas não eram do seu lado. Pensou uma bobagem, até sua pequena cara era de lado. Em esquina. Nem pensava se era bonita ou feia. Ela era óbvia.
Sempre há alguma coisa pela qual se guiar e arrumar. Diz falando de si, Ela fala de si mesma falando de outro. Também se inventa, pela companhia. Quanto a ela mesma, ela se guiava pelo fato de não ser casada, de ter a mesma empregada desde que nascera, de ser uma mulher de trinta anos de idade, pouco batom, roupa pálida... e que mais? Evitou depressa “o que mais” pois a essa pergunta cairia num sentimento muito egoísta e ingrato: sentir-se-ia só, o que era pecado porque quem tem Deus nunca está só. Tinha Deus, pois não era a única que o tinha?
Ela costumava contar as coisas, por uma espécie de mania de ordem, afinal inócua e até divertida. Acha consolo nos números. Parte de um certo ritmo cardíaco e calcula quantas batidas por dia. Por semana. Por mês. Por ano. E, calculando um certo tempo de vida, por toda a vida. Até a última batida.
Madame Constança, sinto lhe informar que nesta casa não vive ninguém com o nome de Flávia, sei que Flávia é um nome muito romântico, mas é que não tem aqui nenhuma, que é que eu posso fazer? Não sei responder porque nunca tinha antes pensado nisso. Só sei responder coisas que já pensei.
Não tinha nenhuma má intenção. Foi buscar um copo. Abriu um dos vidros: tirou duas das pequenas pílulas. Tinha gosto de mofo e açúcar. Não notava em si a menor má intenção.
Eu desconfio que a morte vem. Morte? Será que uma vez os tão longos dias terminem? Assim devaneio calma, quieta. Será que a morte é um blefe? Um truque da vida? É perseguição? E assim é.
Não creio, eu não creio, mas tenho sim energia. Quem manda estar gorda? Quanto a mim sou uma mulher de 26 anos, gorda sedentária que vive até hoje na casa da mamãe, mas espera mudar muito em breve. Logo darei o pé, também sou pálida, branca, muito branca, mais e aí? Respiração. Estou suando e depois? Depois, sempre depois, só não terminarei tomando pílulas pelo amor de Deus. Amo Clarice Lispector mesmo não sendo para falar dela, sempre falo dos outros para não falar de mim.
Era um cigarro de marca cara, desse fumo louro, cigarrilha estreita e comprida, qualidade social de uma pessoa que não era por acaso ela. Aliás, por mero acaso, não era muitas coisas. E por mero acaso havia nascido. E depois? Depois. Depois. Pois então. Assim mesmo. Não é? Assim mesmo havia já chegado de assim era.
Voz: (caminhando em volta da arena):
Simplesmente as coisas não eram do seu lado. Pensou uma bobagem, até sua pequena cara era de lado. Em esquina. Nem pensava se era bonita ou feia. Ela era óbvia.
Sempre há alguma coisa pela qual se guiar e arrumar. Diz falando de si, Ela fala de si mesma falando de outro. Também se inventa, pela companhia. Quanto a ela mesma, ela se guiava pelo fato de não ser casada, de ter a mesma empregada desde que nascera, de ser uma mulher de trinta anos de idade, pouco batom, roupa pálida... e que mais? Evitou depressa “o que mais” pois a essa pergunta cairia num sentimento muito egoísta e ingrato: sentir-se-ia só, o que era pecado porque quem tem Deus nunca está só. Tinha Deus, pois não era a única que o tinha?
Ela costumava contar as coisas, por uma espécie de mania de ordem, afinal inócua e até divertida. Acha consolo nos números. Parte de um certo ritmo cardíaco e calcula quantas batidas por dia. Por semana. Por mês. Por ano. E, calculando um certo tempo de vida, por toda a vida. Até a última batida.
Madame Constança, sinto lhe informar que nesta casa não vive ninguém com o nome de Flávia, sei que Flávia é um nome muito romântico, mas é que não tem aqui nenhuma, que é que eu posso fazer? Não sei responder porque nunca tinha antes pensado nisso. Só sei responder coisas que já pensei.
Não tinha nenhuma má intenção. Foi buscar um copo. Abriu um dos vidros: tirou duas das pequenas pílulas. Tinha gosto de mofo e açúcar. Não notava em si a menor má intenção.
Eu desconfio que a morte vem. Morte? Será que uma vez os tão longos dias terminem? Assim devaneio calma, quieta. Será que a morte é um blefe? Um truque da vida? É perseguição? E assim é.
Não creio, eu não creio, mas tenho sim energia. Quem manda estar gorda? Quanto a mim sou uma mulher de 26 anos, gorda sedentária que vive até hoje na casa da mamãe, mas espera mudar muito em breve. Logo darei o pé, também sou pálida, branca, muito branca, mais e aí? Respiração. Estou suando e depois? Depois, sempre depois, só não terminarei tomando pílulas pelo amor de Deus. Amo Clarice Lispector mesmo não sendo para falar dela, sempre falo dos outros para não falar de mim.
Era um cigarro de marca cara, desse fumo louro, cigarrilha estreita e comprida, qualidade social de uma pessoa que não era por acaso ela. Aliás, por mero acaso, não era muitas coisas. E por mero acaso havia nascido. E depois? Depois. Depois. Pois então. Assim mesmo. Não é? Assim mesmo havia já chegado de assim era.
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