O melhor café você conhece pelo cheiro

sábado, 15 de novembro de 2008

pingos

Chegou a hora em que nada do que se sente se explica. A explicação para qualquer atitude, para qualquer estado se esvai, um lapso de memória. Estava ali, estava, eu juro. E talvez esteja, ainda – mas, compreender... estou exausto.

Ontem ele cortou minha tarde no meio. Ele, o passado, ele, sonho. Esperança foi morrendo – morte lenta, foi desaparecendo até que quando se lembraram dela já não podia se lembrar de suas feições. Sonho, não. Um delírio entre Irmãos Grimm e Dalí. Algo assim como uma beira pintada, uma água de tintas alegres. Senti vergonha inclusive do cigarro. Digo inclusive porque está subentendido – espero que já esteja – que a vergonha já sou eu. O estado de vergonha. A contração eterna do abdome e o peso de mim sobre mim. Sei de cor o desenho das calçadas. Pois sim. Ele cortou a tarde sem sair do lugar. Abracei o passado timidamente, não permiti que apertasse minha mão, haveria o constrangimento cotidiano de não saber se acaba no aperto de mão mesmo ou se há espaço para um abraço. O que havia naquela voz? – menos segura que o normal, e talvez tenha sido sempre assim, talvez eu tenha inventado uma vaidade para sofrer mais um pouco. Talvez aquela voz estivesse sempre prestes a chorar. Uma voz de água querendo passar por terra.

– mas você é um pingo de tinta. Escapou. A vida toda se derrete e se mistura. Vê? A vida é desmanchada. Meu grito uma dia vai desabar sobre mim (como uma cachoeira que resolvesse desabar todos seus séculos num minuto) e você é como dois olhos no corredor escuro; a face a que pertencem não posso ver: são pedaços de um todo que, embora eu não veja, insuportavelmente, sinto.

Sou talhado de ausências.

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