O melhor café você conhece pelo cheiro

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Epidemia

"Mas tudo isso são invenções a que recorro. (...) conservam-se na minha
memória certos conhecimentos abreviados. Mas deixe de ver seja
o que for: por mais que revolva o passado, só de lá extraio
restos de imagens, e não sei muito bem o que representam, nem
se são lembranças ou ficções." p. 57

"Nunca tive tão nitidamente como hoje o sentimento de ser o meu
corpo, sem dimensões secretas, de me reduzir aos pensamentos
leves que sobem dele como bolhas. Construo as minhas
recordações com o meu presente. Sou repelido para o presente,
abandonado lá. Tento em vão ir ter com o passado: não posso
fugir da minha prisão (mim mesmo)." p. 58

"Sinto-me ligado a cada um, do fundo do coração: sei que ele é único, insubstituível - e não faria, porém, um gesto para o impedir de voltar ao nada." p. 58

"Eis o que pensei: para o acontecimento mais banal se tornar uma aventura, é preciso, e é bastante, que nos punhamos a contá-lo. É o que engana as pessoas: um homem é sempre um narrador de histórias: vive cercado das suas histórias e das de outrem, vê tudo quanto lhe sucede através delas; e procura viver a sua vida como se estivesse a contá-la.
'Mas é preciso escolher: viver ou contar." p. 66

"Será possível pensar em alguém no passado? (...) Os sons, os odores, o matizes do dia, até os pensamentos que não nos tínhamos contado, tudo isso nos acompanhava e tudo permanecia vivo: não cessávamos de desfrutá-los ou de sofrer por eles no presente. Nenhuma lembrança: um amor implacável e tórrido, sem sombrar, sem recuo, sem refúgio. Três anos presentes ao mesmo tempo. (...) quando Anny me deixou, (...) os três anos, como um todo, desmoronaram no passado. Sequer sofri: me sentia vazio." p. 100

"Onde poderia eu conservar o meu (passado)? Não se pode colocar o passado no bolso; preciso ter uma casa, arrumá-lo nela. Só possuo um corpo; um homem internamente sozinho, só com seu corpo, não pode ter lembranças; elas passam através dele. Não devia me queixar: tudo o que quis foi ser livre." p. 102

Trechos de A Náusea de Jean-Paul Sartre.

Marcadores:

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]



<< Página inicial