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terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Terceiro fragmento

O homem melancólico vaga entre ruínas a caminho de Tar. A grande catástrofe fez desaparecer todas as cidades que floresciam. A grande catástrofe era a destruição do homem pelo homem: a guerra. A esperança única é Tar. Uma cidade perdida, a única que não sofreu a força devastadora da natureza. A promessa mais tentadora para o homem corrompido pelo tempo: a eternidade. Tar agora está por trás do homem. Procurar a cidade perdida é o novo sentido. A possibilidade de salvação profana é Tar. Ao mesmo tempo, o caminho para Tar é árduo. As cidades destruídas, a ordem que puxava das pernas agora nem manca, morreu. E no caminho suas lembranças são companhias fiéis. Assim como Hamlet, Fando acha seu pai eterno:

“Fando criança: Vamos brincar.
Pai: Ok, eu sou um pianista famoso.
Fando criança: Se você é um pianista famoso, e eu cortar fora teu braço... o que então você iria fazer?
Pai: Eu me tornaria um pintor famoso.
Fando criança: E se eu cortasse fora o outro, o que você faria?
Pai: Eu me tornaria um dançarino famoso.
Fando criança: E se eu cortasse fora tuas pernas, então o que seria?
Pai: Então eu me tornaria um cantor famoso.
Fando criança: E se eu cortasse fora tua cabeça, então o que seria?
Pai: Uma vez morto, minha pele se tornaria um belo tambor.
Fando criança: E se eu queimasse o tambor?
Pai: Eu me tornaria uma nuvem e teria qualquer forma.
Fando Criança: E se a nuvem se dissolvesse, então o que seria?
Pai: Eu me tornaria chuva e produziria uma plantação de guerras!
Fando Criança: Você venceu.”

O caminho se assemelha tanto a antes. Diversões são marcadas pela fugacidade. Mas lembranças serão produzidas. E o que matou deve também amar, dizem as vozes vinda do caixão(MÜLLER, 1987, 28). Ofélia morreu por sua culpa. Fando fisicaliza a culpa e mata Ofélia-Lis. Não como o omisso Hamlet, Fando é o herói que violenta o corpo da paralítica, até a morte, com suas próprias mãos. A dor é a mesma? “Hamlet: Amava Ofélia. O amor de quarenta mil irmãos reunidos juntos não conseguiria ultrapassar o que sentia por ela” “Deixa-te enterrar vivo com ela, que é o que desejo.” (SHAKESPEARE, 1978, 310). O homem de hoje é apático, ou dilacerador, ou dilacerado. “ O diálogo com a dor, a perda e a morte onipresentes pode conduzir à apatia, á inação (...) ou a sentimentos mais fortes, a atividades mais febris, entre a leveza e o completo dilaceramento” (LOPES, 1999, 82). Ao perder seu tambor puniu Lis e a si arrancando a vida da noiva. Ao perder Lis estava entregue a inação. E Ofélia oferece: “Queres comer o meu coração, Hamlet?” (MÜLLER, 1987, 27). Fando não prova o coração de Lis mais permite-o à multidão.
Agora que Lis morreu nunca mais sairá de suas costas. E o pedido fica: “fale comigo, Lis.” E faz, sem dizer, o que Hamlet disse que faria, mas não fez. Se enterra ao lado de Lis. O vazio toma conta novamente. Em Tar se encontra a chave de todos os labirintos. Ele quer chegar a Tar? Tar é totalmente deixada de lado. Era uma falsa esperança. Acreditar em Tar era a distração do caminho. O homem barroco da contemporanedade não tem mais caminhos. Vive de lembranças. Vive se consumindo de sua melancolia. Mesmo que tenha que produzi-las.

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