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domingo, 14 de dezembro de 2008

Com o Fim de Falar

Relatório Final – Direção III – Com o Fim de Falar

“Com o fim de falar. Começamos a falar como se pudéssemos parar, querendo. É assim mesmo, a busca por fazer cessar as coisas, calar a voz, é o que permite o discurso continuar.” S. Beckett


Limites

Direção de Atores

A primeira descrição de um processo “real” seria a escolha de um projeto. Depois decisões quanto a equipe. Um grupo que acredite no projeto e queira fazer parte dele. Atores disponíveis e crentes na idéia do propositor (seja por dinheiro ou por realmente acreditar) é essencial. Começo minha descrição falando do que infelizmente a universidade não pode ainda me dar: uma equipe que compre o meu projeto. Quanto a escolha di projeto, por mais que houvesse limites, não houve maiores problemas na hora de quebrá-los. Aliás, isso foi incentivado.

Laura e Caio são dois atores, que bom, ao menos isso! E estudantes de direção teatral, proprietários de senso crítico e suas próprias visões de cena. O que os levou (o que nos leva) a questionar o meu método de trabalho, principalmente por ser também eu uma estudante, que tem falhas e está traçando um caminho. Chegando ao ponto: além de ter que aprender como dirigir eu tive que lidar com atores que não acreditavam no meu projeto e também em mim. A confiança que eles não depositaram em mim me fez retirar a enorme confiança que eu tinha neles no primeiro contato, quando achei que tudo seria um mar de rosas.

Fui vendo as impossibilidades de me aproximar dos atores e fui reduzindo o meu roteiro. Levei primeiro Laura até o silêncio, única posição que para mim ela não desagradava até então. E, com a mudança do roteiro, levei Caio, enfim, ao silêncio também.

Acredito também que, além dos atores não confiarem em mim, eu não fui uma diretora boa suficiente para deixá-los confortáveis de início. Ou paciente ao ponto de trabalhar exaustivamente um texto mal dito. Mas entrar nessa discussão pode me fazer afundar em outra: até onde um diretor pode chegar? Se até o fim, eu sou insuficiente. Se até o limite de cada ator chamo os meus atores de limitados. Não sei. Gosto de olhar o processo mais para o fim e me sentir satisfeita.

Referências

Não satisfeita por não poder fazer Companhia, me satisfiz inicialmente em fazer Um Dia a Menos porque via claramente traços de Companhia. No entanto, ao longo dos estudos para o processo, além de ver traços claros passei a produzir similaridades, deixando Um Dia a Menos cada vez mais de lado. Não sei se o que eu fiz foi plenamente consciente. Agora me acho naquele momento de certa forma inebriada com o universo de Beckett, tanto que passei a me aprofundar nele e passei a recorrer a mais fontes. Chegou um momento que me senti inclusive estagnada porque não conseguia achar o texto Eu Não e achava que ele seria essencial ao processo. Agora, com calma, vejo que não foi essencial, somente enriqueceu o que para mim já estava latente.

O roteiro nº 6 realmente não funcionava. Não por ter sido mal escrito (ou isso também, mas isso não foi o preocupante). Mas por ter sido mal conversado, entendido, tanto por mim quanto pelos atores. Tinha eu de solucionar problemas que eu mesma estava criando.

A outra referência

Desde o primeiro ensaio eu sentia a necessidade de expressão dos atores, maior do que eles me davam e maior do que eu conseguia deixar eles me darem. Eu queria uma composição conjunta, mas antes de querer isso, eu queria uma expressão com propriedade e dominância da cena escrita. Essas minhas necessidades entraram em choque com o que eu produzia dramaticamente através do estudo dos contos. Isso ficou muito claro quando me utilizei de um texto produzido por Laura na construção do roteiro nº 6. Não funcionou. Assim como não funcionaram todos os roteiros até ali para o que EU ESPERAVA DE CENA. Se eu tivesse admitido logo de princípio o que minha necessidade teatral não possuía similaridade tão próxima dos contos, principalmente de Um Dia a Menos, não teria me fixado tanto na imagem da mulher e teria me aproveitado mais do Riscado.

Entendo toda a minha necessidade de colocar atores “nus” num teatro também “nu” como mais uma referência nesse processo. E não sei dizer de onde ela vem. E nem acho que seja tão importante entender de onde ela vem e sim como fazer com que percebam a mesma beleza que enxergo ao brincar com essa referência.

Fechamento do roteiro

Fiquei durante um tempo, após a execução do roteiro nº 6 em silêncio. Precisava entender o que eu faria a partir dali, onde vi claramente que a corda que estava esticada entre Beckett-Clarice e Laura se partia e só me deixava uma escolha.

Após pensar o tanto que tinha que pensar, produzi um texto e enfim pude tentar me entender no que estava fazendo. Aliado a isso, consegui achar, junto com Caio, a sua função. O Caio, assim como a câmera, era meu instrumento de registro do processo. Que era variado sempre e tinha que saber lidar com sua efemeridade. Além disso, Caio e a câmera têm uma visão particular do que presenciam. Logo os escritos do Caio não são transcrições do que Laura falou, nem a câmera consegue traduzir fielmente o que nós presenciamos.

Elementos de cena:

Velas – iluminação; manipulação da atriz.

Cigarros – manipulação da atriz; resgate do universo de Um Dia a Menos

Relógios – Controle do tempo pela atriz.

Televisão 1(ligada ao aparelho de DVD) – transmissão de um vídeo gravado em um dos ensaios.

Televisão 2 (ligada a câmera) – Transmissão do registro do que estava sendo produzido.

Câmera – Registro do que estava sendo produzido.

Caio – Registro do que estava sendo produzido.

Laura – Falar continuamente; manipular objetos; controlar o tempo da cena.

Fragmento do caderno


19 de novembro: Minha descrição começa no domingo. Quando tinha ingresso comprado para assistir a peça da Bebel, comprado há quase ou mais de um mês antes, para o dia 19 de outubro. Nesse dia esta na casa da minha mãe e decidi dormir. Assisti a peça e fui me despedindo de tudo. Das pessoas, do teatro, da chuva, do caminho. Dormi no domingo e acordei na terça. Perdi o ensaio de terça por isso. Na quarta eu nem lembrava mais porque um dia eu tinha decidido qualquer coisa. Era o meu dia de apresentar o ensaio para o Vaccari e eu sabia exatamente o que tinha que fazer: repetir o ensaio anterior, com as novas modificações no roteiro. Tentar dar as indicações certas pro Caio e repetir, repetir, repetir. Eu continuava sem gostar das participações do Caio. Eu queria outro tom, outro lugar. Minhas indicações são sempre imprecisas? Que sutileza é essa que o diretor tem q alcançar? Tenho sempre medo de atrapalhar um ator quando estou dando indicação pro outro. Então falo as coisas bem particularmente. No ouvido, no sussurro, pra ver se incomodo menos. Na segunda passagem, acho, Vaccari me questionou o roteiro. Disse que estava confuso. Coisa que ele já tinha escrito no papel, quando me devolveu o roteiro velho. Eu estava impregnada de Beckett e o roteiro desse dito ensaio, além das designações de “ator ouvinte” e “ator falante”, possuía características de Eu Não. Com essa história de alguém que não quer se assumir em primeira pessoa. Usei o recurso de pausas e das segunda e terceira pessoas que negam a primeira para deixar claro que quem falava (Caio) era também quem ouvia (Laura). Como misturei as várias referências textuais (Clarice, Beckett e Laura), o Vaccari achou o texto impreciso. Já disse isso. Isso me incomodou, mas pouco. Bem pouco, na verdade. O que realmente me incomodou foi o questionamento dos termos de Beckett, ouvinte e falante. 1º de dezembro: Realmente estava falando sem saber tanto quanto ele. E foi preciso silêncio. De repente usei os termos de maneira incorreta mesmo. Tentei me apropriar do código de Beckett e esqueci de criar o meu. Esqueci também de compreender o dele totalmente, antes de tudo. Hoje minha memória não é tão precisa quanto seria logo depois daquele ensaio. E agradeço. Não consigo lidar com certas memórias./Com o fim de falar/ Pedi pra Laura, logo depois dos questionamentos do Vaccari, acho, para falar. Coisa que já vinha pedindo em quase todos os ensaios. E pedi, enfim, pro Caio calar. E Laurinha disse muita coisa. Depois de muita insistência minha. Depois de muitas pausas. Perguntas. E certa imprecisão minha do que estava fazendo. Imprecisão racional. Com o fim de falar, só. Com a única e pura finalidade de dizer. Antes, talvez até ainda ache, que minha busca com isso era trabalhar a linguagem teatral. Não. Eu quero trabalhar a linguagem. Pura e simples. Como é difícil, mas necessário, dizer. Falar por falar. Porque preciso falar. Minha história com Camus e Beckett e Sartre é mais profunda e filosófica do que propriamente teatral, não sei se gosto intuitivamente do teatro deles. Descobri que Beckett está pronto e eu não vou mexer nele. Sou encenadora (por mais pretensiosa que essa afirmação possa parecer), não sou executadora. Mas claro, vou executar e encenar também, mas não agora. Vejo que a filosofia vai estar muito mais presente quando eu me apropriar. Por isso tive que me libertar de Beckett. Da estrutura Beckett. E acreditar no que eu intuitivamente buscava. Esquecendo o que no final do silêncio/reflexão eu chamei de ego. Não há grande genialidade no que vou fazer. “Cansei de tentar ser genial”. Minha direção 3 teve vário, nem lembro quantos, roteiros diferentes, até eu descobrir que ela não tinha nada mais que imprecisão. Laura, a atriz, falando de si, durante o preciso tempo de 5 minutos. E o preciso espaço que ela ocupa no chão, deitada. Junto com os objetos. A última modificação, depois de muito tempo de silêncio, sem conseguir alcançar palavra, apesar de acreditar que a cena ainda se chama Um Dia a Menos e ainda achar que estamos em busca de companhia, CIA, a cena passa a se chamar Com o Fim de Falar. Minha escola de teatro, acho que foi essa tal, me tornou uma pessoa “contempoquém”. Não vou fugir para o “contempoquém” porque virou lugar comum. E sim porque é assim que eu consigo dizer (tentar) até agora. Se a crítica à minha cena for que ela é “contemporânea” demais, um beijo. É com o fim de falar que buscamos formas disso e essa é a minha dentro do TEMPO que estou (estamos) vivendo. Sei que todas as cenas serão sem dúvida repetição de formas já feitas. Mas se a minha é repetição da tendência mais próxima, um beijo. Graças a Deus cansei de esperar o novo mais novo. E digo: sou “contempoquém” e “classiquém”. Somos. Estou repetindo e ponto. Mas nada é gratuito. E o que vem de gratuito antes? A repetição do “clássico” não merece sua parcela de crítica? Meu texto está caótico. Mas continuando. Sou plágio, repetição e apropriação. Com prazer. Sinopse: Atriz fala de si durante 5 minutos. Enquanto isso, outro ator escreve estruturas no chão baseado no que escuta. Minhas escolhas estão feitas. Laurinha verbaliza. Riscado escreve. E nós tentamos dizer. Quero falar. Antes mesmo de ter um porquê. Ou saber o quê. Não espero que gostem. Sim. Espero que gostem! Mas quero antes que meus companheiros avaliadores de turma queiram falar. E tentem. E talvez até entre si. Seria ótimo que questionassem a Laura em cena. Objetivos reunidos. Longa pausa quebrada. Cena amanhã. Ensaio Hoje. Sem maiores pretensões. Ou sempre com.

Conclusão

“Comentário de Evângelo para a cena de Amanda.

Acho que a sensação de compartilhar a intimidade da atriz Laura Nielsen foi bem forte, graças à disposição espacial Uma espécie de quarto íntimo, onde nós espectadores pudemos nos aproximar, como se estivéssemos à beirada de sua cama. Ao mesmo tempo me causou certa estranheza e posterior desconforto perceber que a interação entre Laura e nós não concedia olhares. Em nenhum momento a atriz troca um olhar com a platéia, o que é estranho porque, nitidamente ela interage com as reações do público. Acho que isso foi pré-estabelecido, e isso me faz querer descobrir o efeito que isso causa. Foi estranho receber um consentimento para estar presenciando uma intimidade, mas não receber plenamente uma troca que me levasse a uma cumplicidade maior.

Achei o uso dos monitores bem inteligente e as diferenças de temporalidade (haja visto que 1 monitor transmitia ao vivo a cena e outro continha uma gravação em câmera lenta de fragmentos da cena, provavelmente algum ensaio). Naquele espaço a televisão é permitida e a reflexividade do momento através da tela acentua o tema: Laura e seus conflitos. É ela que está sendo o conteúdo da programação.

A movimentação de Laura me deixou um pouco desconfortável. Parecia que havia um tipo de regra dada à atriz de não poder deixar de manter, ou as coisas, ou a barriga grudadas no chão. isso me trouxe a sensação de uma atriz desengonçada, preguiçosa ou até mesmo debilitada fisicamente. isso também chegou a mim de forma estranha.

Por fim, penso que a participação do Caio foi sub-aproveitada. Entendo que o foco tenha sido a Laura, mas teve um momento em que a presença do Caio se anulou completamente.

Wathever, Parabéns, espero que esta contribuição seja válida.

Beijos.

Evângelo.”

É triste falar da recepção de um trabalho baseado em apenas uma apresentação e apenas um depoimento. A carta do Evângelo está cheia de bons apontamentos e alguns equívocos. O tema da cena não é a Laura e seus conflitos. A câmera não está lenta. Laura não olhar para platéia foi um problema do nervosismo da execução e não indicação minha, muito pelo contrário. A posição de Laura remete ao conto de Beckett e representa mais que uma cabeceira de cama. No entanto, como eu tinha referências demais, seria injusto que todos conhecessem todas. Além disso, eu não quis definir o local do espaço, agora não posso questionar.

O tema é falar. Simplesmente falar. Tanto verbalizando quanto escrevendo, se isso não ficou claro não sei o que dizer. Quantas as outras interpretações tudo bem. Cada um de nós vê o que pode.

Fora isso, não sei mais o que falar da reação do público. Exceto que riram quando Laura foi engraçada e esperaram por mais quando a cena “acabou”. Gostaria de poder dizer mais.

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